Bom dia, boa tarde ou boa noite jovem leitor (a).
A origem semântica do termo meritocracia é atribuída ao sociólogo inglês Michael Young (The Rise of the Meritocracy, 1958). Surge no contexto da sociedade inglesa do período pós Segunda Grande Guerra Mundial. Young e os seus contemporâneos vislumbravam uma reforma educacional inglesa, onde a valorização dos talentos individuais, através do mérito, de acordo com a inteligência e com o esforço de cada pessoa, fizesse frente à sociedade de privilégios, onde as classes sociais abastadas (aristocracia) através da hereditariedade ditavam a distribuição de riqueza e a sua manutenção. No entanto, em The Rise of the Meritocracy, Young cria uma narrativa distópica, onde nos alerta sobre como o sistema meritocrático pode cocriar ainda mais desigualdades, ao escolher uns em detrimento de outros.
A professora doutora Inocência Mata, única professora, mulher negra, da Faculdade de Letras da Faculdade de Lisboa (desde 1990), se posiciona publicamente, a favor da introdução temporária do sistema de cotas, enquanto política pública, para o acesso e manutenção de pessoas não-brancas no ensino superior, em Portugal. Na matéria jornalística “A presença de negros na academia é nula”, numa entrevista cedida à jornalista Joana Gorjão Henriques, do Jornal português Público, em 9/9/2017, Inocência Mata salienta “Não me falem de meritocracia, das maiores armadilhas na luta contra a desigualdade: é pôr o filho do médico que mora em Cascais e anda nas melhores escolas a fazer o mesmo teste que o jovem que mora no Bairro 6 de Maio (Amadora), esperando que tenham a mesma performance. É preciso dar ao jovem do 6 de Maio as mesmas oportunidades. A meritocracia é um dos mais perversos mitos que fazem perpetuar a exclusão de grupos.”
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem atualmente mais de duzentos e quinze milhões de pessoas. As mulheres negras representam 28% da população brasileira, mas apenas nove mulheres negras, das noventa e quatro mulheres que foram eleitas nas eleições brasileiras de 2022, estão a ocupar lugares na Câmara dxs deputadxs.
Jovem leitor/a, a falta de representatividade de mulheres negras no setor educacional e em diversos outros setores, como o político, se trata de uma consequência visível das existências de desigualdades sociais, raciais e de género, que têm vindo a ser alimentadas, estruturalmente, através de ideais políticos ao longo dos séculos. O regime esclavagista no Brasil, iniciado pelos portugueses, no século XVI, a ditadura militar brasileira no século XX e o fascismo português com o seu colonialismo tardio em territórios africanos, no século XX, produziram consequências nos modos de pensar, de sentir e de fazer da supremacia branca, em ambos os países, impossibilitando o desenvolvimento da autonomia de pessoas que integram grupos sociais que foram racializados historicamente e principalmente, das mulheres (negras, indígenas, ciganas…). Enquanto as populações brancas e ricas foram tendo acesso à melhor educação e aos bons empregos, as populações negras e pobres, entre outras populações racializadas e pobres, foram ficando à parte, sem a existência de políticas públicas eficazes. A igualdade racial e de género não é uma realidade nem no Brasil, nem em Portugal.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem atualmente mais de duzentos e quinze milhões de pessoas. As mulheres negras representam 28% da população brasileira, mas apenas nove mulheres negras, das noventa e quatro mulheres que foram eleitas nas eleições brasileiras de 2022, estão a ocupar lugares na Câmara dxs deputadxs. Em Portugal, segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística), somos mais de dez milhões de pessoas. Desconhecemos por completo o valor percentual de representatividade de mulheres não-brancas da população portuguesa, dado que não fazemos uma recolha dos dados étnico-raciais/género da população através dos censos. Atualmente nós temos apenas uma mulher negra a ocupar um lugar enquanto deputada, na Assembleia da República Portuguesa, a deputada Romualda Fernandes.
Mesmo tendo acesso às mesmas oportunidades, como o acesso à formação escolar obrigatória, por exemplo, se partimos para a escola vindxs de circunstâncias sociais totalmente diferenciadas e, por vezes, adversas (violência psicológica, violência física, violência patrimonial, fome, problemas de saúde, orfandade…) e passarmos a enfrentar ainda mais violências (racismo, xenofobia, aporofobia, misoginia, invisibilidade…), ao sermos enquadrados no critério do mérito, como se todxs tivéssemos partido dos mesmos lugares, muitxs de Nós, estaremxs totalmente desprotegidxs no sistema educacional e futuramente no sistema laboral.
Em 2020, no Brasil, em meio ao contexto social e político que não foi um dos melhores (governo Bolsonaro + Covid-19), das 80.115 pessoas formadas em mestrados e doutoramentos nas universidades brasileiras , apenas 2.746 pessoas negras se tornaram mestres ou doutoras (Revista da FAPESP). Em Portugal, desconhecemos por completo tais dados!
É do modo que, jovem leitor/a, tudo em Portugal, ainda está por conhecer. Portanto, estudar com zelo, é o melhor caminho, a fim de que possamos melhor compreender os diferentes mundos por onde vamos habitando.