Por Jatou Fall – Rádio África Magazine
As mulheres africanas têm um longo histórico de união e solidariedade, organizando-se através de reuniões para ajuda mútua, como a Tontine, um sistema de poupança tradicional que herdaram de gerações passadas. Diversas mulheres de uma comunidade participam nesta prática e cada uma delas contribui periodicamente com uma quantia, que lhe será devolvida com as contribuições das suas companheiras.
Desta forma, com um montante recebido muito superior ao montante dado, a pessoa pode fazer face a grandes despesas, como a criação de uma empresa, um casamento, etc. O encontro Tontine é também um encontro para falar das suas preocupações, alegrias, para comer, dançar, rir. Uma forma ancestral de cuidado e de resistência anticolonial. As mulheres africanas levam as suas lutas para onde quer que vão. Foi o que fizeram no País Basco através das associações de mulheres.
Geralmente, estas entidades foram constituídas por mulheres migrantes que encontraram pontos de encontro entre si, enquanto mulheres que migraram, para partilharem as suas experiências como a violência de que são vítimas pelo simples facto de serem mulheres, o racismo que as afeta, e diversos tópicos. Foi assim que, em 2000, foi criada a rede de Mulheres do Mundo “Babel”, onde mulheres de diferentes nacionalidades de todo o mundo se encontram e partilham as suas experiências por meio de workshops, gastronomia, palestras, exposições, etc.
Em 2017, quando um grupo de jovens mulheres do sul começou a tomar consciência da sua situação e da necessidade de criar espaços onde pudessem falar sobre as suas próprias experiências, nasceu a Rede de Mulheres Migrantes e Racializadas do País Basco. Apesar de o feminismo ter promovido os seus próprios espaços, algumas colegas feministas bascas não viram muito favoravelmente o fato de que apenas migrantes se reuniam e comentavam:
“Por que é que só vocês se juntam? Isso está a gerar divisão e exclusão”.
Outras estavam muito interessadas em estar no encontro com a filósofa, escritora e investigadora feminista e antirracista dominicana Yuderkys Espinosa e não entendiam muito bem a necessidade que tínhamos de conversar. Houve uma que nos disse: “Vivi quase dez anos na América Latina e sinto-me latina”. Não compreenderam que não se tratava de uma questão de identidade, apesar de utilizarmos palavras como negro, mouro, sul-africano, cigano, amarelo para nos designarmos.”, explica a Rede de mulheres.
Desde a sua criação, realizaram vários workshops e encontros, como o encontro com Yuderkis Espinosa, com o qual iniciaram a sua formação como rede, escolas de pensamento decolonial ou participação como bloco organizado na greve do 8M. As suas referências vêm do continente africano e também de Abya Yala.
De Abya Yala encontramos referências feministas como Lélia Gonzalez (Brasil), Sueli Carneiro (Brasil), Domitila Barrios de Chungara (Bolívia), María Lugones (Argentina), Yuderkis Espinosa (República Dominicana), Ochy Curiel (República Dominicana), Rita Segato (Argentina)… E do continente africano como Chimamanda Ngozi Adichie (Nigéria), Oyèrónké Oyèwumi (Nigéria), Ken Bugul (Senegal), Paulina Chiziane (Moçambique), Ama Ata Aidoo (Gana), Yvonne Vera (Zimbabué), Molara Ogudimpe Leslie (Nigéria).
As relações entre homens e mulheres são desenvolvidas através do exercício do poder, relação na qual as mulheres estão em desvantagem, já que a sociedade patriarcal em que vivemos se baseia no controlo das mulheres. Este controlo é exercido inicialmente no processo de formação que recebem e são treinadas para obedecer a outro. O outro é representado pelos espaços de culto, os homens, e em muitos casos, pelas próprias mulheres, aquelas que têm a função de ensinar toda a institucionalização que sofreram, fazendo com que este processo de exercício de controlo seja transmitido de geração em geração.
Esta prática de controlo envolve também o elemento nevrálgico do corpo da mulher, que é uma ficção construída pelo outro, com base nos seus próprios interesses. Esta ação de poder construiu ideais de mulher, que esta deve cumprir para se inserir na sociedade; um desses ideais é a conceção da pureza do corpo da mulher. Estas generalidades que condicionam a existência das mulheres, tornam-se muito mais complexas para as mulheres negras, uma vez que a sociedade as marginaliza por três vezes, por serem mulheres, por serem negras e pela sua condição histórica e económica, o que as coloca em condições de vulnerabilidade, já que lhes são negadas oportunidades de igualdade de género e o seu direito à igualdade é violado.
Lidia Kingston é uma mulher negro-africana, mãe e uma das veteranas dos movimentos sociais no País Basco. Com outras cinco mulheres negras, em 2014, decidiram criar a associação AmAfrica (ama – madre em basco, madre África em espanhol). Uma associação que nasceu da necessidade de mudar o imaginário coletivo da sociedade em relação às mulheres negras, de quebrar os estereótipos de mulheres africanas submissas e sem educação e de tornar visível a presença de mulheres negras em espaços de debate e de tomada de decisões que dizem respeito às suas próprias vidas. Uma das fundadoras da AmAfrica foi a falecida Paciencia, pelo que Lidia comenta:
“Colocar seis mulheres à frente de uma associação naquela altura foi um grande desafio. Mas continuamos em memória de Paciencia, para que a sua memória possa continuar a viver.”
Vale a pena recordar as dificuldades encontradas pelas mulheres negras para participarem em reuniões e associações, porque aqueles que migram em uma «patera» (barco) ou cruzando as cercas “não podem fazer o luto da sua migração, pois têm de aprender a língua e começar a trabalhar imediatamente e conseguir equilibrar as suas vidas” e as que chegam por reagrupamento, “têm de cuidar dos filhos, aprender a língua e trabalhar” e muitas vezes nem sequer têm tempo para si próprias, conta Lidia.
Lidia é também presidente da ONG Mulisol (Mundo Livre e Solidário) e afirma: “Não se deve considerar levianamente que é uma mulher negro-africana que promove e/ou lidera projetos, porque é um desafio”. Além disso, faz parte da organização da conferência de mulheres migrantes Afronegra em Euskadi, a partir da qual promoveu os prémios da Mulher Afro-basca, que em dezembro de 2022 realizou a sua sétima edição.
Em 2018, foi criada a associação para a promoção das mulheres senegalesas Baax Yaay para incentivar a sua participação em todos os sectores sociais, denunciando qualquer tipo de discriminação baseada no sexo ou origem e promovendo a coexistência em igualdade, prestando especial atenção às necessidades e características das mulheres senegalesas. Até à data, esta associação de mulheres junto à Firekutzen, tem sido um ponto de referência para a população senegalesa no País Basco.
Lidia Kingston recorda-nos a importância dos espaços de mulheres negras dirigidos por mulheres negras, porque “atualmente fala-se muito de pessoas racializadas. É uma palavra que respeito, mas não a partilho, porque as mulheres negras são únicas e têm de se valorizar. É muito difícil ser uma mulher negra num mundo anti-negro”, defende Lidia.
Jatou Fall é assistente social e investigadora. Meu trabalho se concentrou especialmente nas mulheres com uma perspetiva racial e de género e nas crianças migrantes. Investigadora do projeto Black Spain.