As crianças negras são percepcionadas e julgadas como adultas demasiadas vezes. Casos incontáveis de violência policial nos Estados Unidos da América, revelam este facto. Mas também em Portugal, o caso da morte de um jovem de 14 anos, o Elson Sanches, ou Kuku, como era conhecido, veio provar que a infância ou adolescência não são consideradas em vidas negras. Em 2009, o jovem foi morto por um agente da polícia de 37 anos, no bairro de Santa Filomena. Estava escuro, o bairro era “perigoso” e os amigos do jovem, que iam com ele num carro furtado, não acertaram com os seus depoimentos. O agente da polícia julgava correr risco de vida após ter ouvido um som semelhante ao disparo de uma arma, e, segundo a juíza, o agente não tinha como saber que se tratava de um menor perante a “compleição física da vítima” – pesava 56 Kg e tinha 1,71 metros de altura. Kuku perdeu a vida, o agente foi absolvido por ter sido considerado que o disparo letal foi em autodefesa. E quem defende as nossas crianças e os nossos jovens?
A estatura das nossas crianças e jovens é uma “defesa” recorrente para os ataques aos seus corpos e ao roubo do seu direito à infância e à adolescência. O artigo “Racismo americano. Nos EUA, crianças negras são vistas como ameaças aos brancos”, da publicação online Oásis, lembrava que, em 1955, depois do espancamento até à morte de Emmett Till, um jovem também de 14 anos, um dos membros do grupo de assassinos disse que o adolescente “parecia um homem”. O mesmo artigo revela ainda ter tido acesso a declarações idênticas nas notícias dos linchamentos de rapazes e raparigas negros, entre 1880 e o começo dos anos 1950, em que testemunhas e jornalistas se centravam no tamanho das vítimas, com idades entre os 8 e os 19 anos. As acusações às vítimas variavam entre ataques sexuais a meninas e mulheres brancas, roubos, maus-tratos a bebés brancos, envenenamento dos patrões ou lutas com os seus colegas brancos. Até mesmo o ato de proteger jovens negras de ataques sexuais de homens brancos era um motivo “legitimo” para o linchamento.
E quem protege as nossas crianças e jovens?
Vários estudos revelam que as meninas negras são percepcionadas como menos inocentes e com menos necessidade de serem protegidas. Adultas em miniatura.
Os media perpetuam a imagem da mulher negra raivosa, caprichosa e hipersexualizada. Todas essas imagens constroem um imaginário em que as nossas meninas são inseridas num contexto que não lhes permite desfrutar da sua infância com os direitos básicos que lhes são devidos.
Esta semana algumas publicações independentes publicaram a “Carta aberta: Não serei eu uma criança? Racismo na Infância em Portugal”, que denuncia um ato de violência contra duas crianças negras, de 5 e 8 anos.
Um homem corre atrás de uma menina de 8 anos, enquanto a de 5 anos, procura ajuda. Ambas são acusadas de terem roubado um cartão bancário que estava na carteira do homem, dentro de uma mochila. Este homem adulto chega mesmo a agarrar a criança de 8 anos pelo braço. As testemunhas e a organização do festival onde tudo aconteceu disponibilizaram-se a apoiar a queixa à polícia.
Alguém tem de proteger as nossas crianças. Nós temos o dever de proteger e garantir o direito à infância das crianças negras.