Por Cristina Carlos
Vamos dormir? Passear? Votar em branco? Ficar em casa a comentar o comentador? Que faremos nós afrodescendentes? Nós que não lutámos pela liberdade nem contra o colonialismo nos países dos nossos antepassados? Nós que não lutámos pelo direito ao voto a ferro e fogo na diáspora mas que ainda vemos muitos sem ele? Votamos em quem nos representa? Votamos para que nos representem?
O que faremos nós mulheres? Nós que já não temos de lutar para ter um passaporte, para poder viajar sem a autorização do marido, para poder ser donas de propriedades e mais umas “coisitas” que só homens podiam fazer?
Dizem que a democracia começou na Grécia, uma democracia parcial, porque só os homens livres podiam votar; só eles tinham tempo para se sentar nos anfiteatros da Acrópole e escutar discursos retóricos de outros tempos.
Os franceses levaram a Democracia para outro patamar; com a fraternidade, igualdade e liberdade, levaram a democracia para além do Atlântico e doaram a Estátua da Liberdade aos auto-proclamados guardiãos da Democracia do novo mundo – os Estados Unidos da América. Mais uma vez uma liberdade seletiva, numa nação cimentada na escravatura e na segregação, ao ponto de alterarem a constituição, para excluírem negros do estatuto de cidadão. Os negros norte-americanos, lutaram, marcharam, muitos morreram, e o voto foi conquistado em 1965. O mesmo aconteceu com as mulheres que depois de muita luta, um pouco por todo o mundo, foram conquistando o direito ao voto. Agora, em 2016, temos um presidente negro nos Estados Unidos e pelo menos 18 mulheres como chefes de Estado desde Alemanha, Jamaica, Brasil e Bangladesh. Em Portugal, depois da revolução dos cravos, a mulher pode votar em pé de igualdade com os homens desde 1976.
Não parece haver muito mais que fazer a não ser exportar o conceito da democracia para países onde reina a tirania e do eixo do mal…
Dizem as más-línguas que, como a tradição, a democracia já não é o que era. Temos famílias e clãs com histórias ligadas ao poder, mas também a dinheiro velho, com bancos mais ou menos novos, e comentadores que nos traduzem em português corrente o que se passa nesse mundo novo da democracia.
Entrou uma nova geração em que uma mão lava a outra, em que os jobs for the boys and girls até que começam a dar bronca, porque a política é agora uma profissão de risco. Eles não se entendem, uns até já vão presos, mas todos têm de prestar contas à troika.
E nós, afrodescendentes, do lado de cá?
A contar tostões! Presos a empregos precários, a viver em habitações igualmente precárias, com baixos níveis de educação e altos níveis de desemprego, olhamos, por isso, para as campanhas dos candidatos presidenciais e pensamos: “Será que vale a pena?”
Podemos ficar em casa, a aumentar a taxa de abstenção… Mas também podemos aceitar a dádiva de quem lutou e continua a lutar para termos o direito ao voto e exercê-lo – votar. Mas nunca em branco, porque isso é batota…
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