A Associação Saúde das Mães Negras e Racializadas em Portugal, criada em 2020, visa responder e implementar ações relacionadas com a saúde materna das mulheres negras. No âmbito do Dia da Consciência Negra, a 23 de novembro, a SaMaNe organizou o evento: “Diálogos da Diversidade – A saúde e o racismo”. Foram convidadas: Edna Tavares (SOS Racismo); Andreia Galvão (Bloco de Esquerda); Karla Costa (SaMaNe) e Arianna Borelli (Médica MGF; Human Before Borders), moderado por Flávia Brito (RTP África). Esse debate permite-nos chegar aos seguintes pontos:
1- Mulheres racializadas enfrentam múltiplas barreiras no acesso aos cuidados de saúde, desde o processo de documentação para obtenção do número de utente até ao atendimento nos serviços de saúde, onde profissionais e pessoal administrativo, por vezes, agem com desconhecimento ou preconceito.
2- Ausência de formação no combate ao racismo e à violência obstétrica, resulta em situações de violência.Torna-se crucial reestruturar o ensino na área da saúde, ultrapassar essas barreiras e construir uma relação de confiança entre pacientes e profissionais de saúde.
3- Forte embranquecimento da biomedicina e dos cuidados de saúde, que tendem a reforçar preconceitos, estereótipos e a negação de práticas culturais, muitas vezes consideradas menos válidas. O racismo obstétrico não se restringe apenas às dificuldades de acesso aos cuidados de saúde, mas também na recusa em reconhecer, uma vivência, uma história, uma experiência e a necessidade de uma relação empática num momento de fragilidade.
4- É urgente ter representatividade racial nas equipas de saúde, acompanhamento por pares e formação intercultural para todos os profissionais, valorizando práticas culturais dentro das comunidades.
5- Políticas públicas de saúde específicas para a população negra são necessárias para superar as dificuldades sociais, económicas e culturais que afetam o acesso aos cuidados de saúde. A equidade deve ser um principio orientador na construção dessas políticas.
6- Os decisores políticos têm um papel crucial na criação de políticas públicas para reconhecer, combater e punir a violência obstétrica e o racismo.
7- A crescente sensibilização e consciencialização das mulheres acerca deste tema representam uma das evoluções mais encorajadoras perante esta problemática. É notável observar o crescente interesse em informar-se, conquistar autonomia e dialogar com os profissionais capazes de proporcionais apoio, visando uma experiência o mais positiva possível.
O primeiro Relatório Técnico sobre as Experiências Obstétricas de Mulheres Negras e Afrodescendente em Portugal, publicado em setembro de 2023 pela SaMaNe, revela relatos de animalização do corpo negro, violência emocional e negação da autonomia durante o trabalho de parto. Essas experiências demonstram que a violência obstétrica tem múltiplas facetas, pois além ser uma violência de género, também é de raça, de classe entre outras.
Reconhecer o impacto do racismo na saúde das mães racializadas em Portugal é o primeiro passo para combatê-lo. Trabalhar estes temas num país que é estruturalmente racista constitui um desafio. No entanto, a mudança é possível e os movimentos sociais estão presentes no terreno para recolher evidências e alternativas para que se possa estabelecer uma prática biomédica que seja anti-racista, antipatriarcal e anti-capitalista para todas e todos.