Geração rasca ou à rasca?

Estamos a dar a volta ao alfabeto e a próxima geração será chamada geração alfa, os filhos dos millennials ou Geração Y, dela fazem parte crianças nascidas depois de 2010. Esta geração nasceu no século XXI, em plena era digital e foi exposta a tecnologia desde tenra idade.  Seguem uma vida onde o tempo para brincar foi reduzido em média em 25%, mas o tempo de exposição a ecrãs aumentou 100%. Os cientistas sociais preveem uma verdadeira geração rasca que será física, mental e socialmente debilitada. 

O tempo fora de casa é passado entre escola e atividades estruturadas, música, desporto, ou um pouco mais de escola até os pais terem tempo para eles. Em casa, cada um tem o seu espaço, horários e privacidade. À refeição, cada um come o que quer, quando quer e em silêncio, colado ao ecrã. Prevê-se, por um lado, um aumento de indivíduos com alergias cada vez mais severas, devido ao nível de limpeza e proteção. Com crianças que nascem e vivem em ambientes ultra limpos, crianças que não brincam fora de casa, que comem comida escolhida a dedo depois de lerem a lista de todos os ingredientes. Por outro lado, já se observa o ressurgimento de doenças como o sarampo, devido à falta de informação e ao falso sentido de segurança que leva muitos pais a não vacinarem suas crianças. Prevê-se um desenvolvimento mental e social definido pela social media e não pelos pais, família nem a comunidade mais próxima. Com crianças a falarem mais tarde, a escreverem menos, e a só irão ler em ecrãs… Parece que esta sim será a verdadeira geração rasca. 

Ou não, estará esta geração simplesmente à rasca? 

Estamos a precisar de menos estudos e vigilância estilo big brother e de muito mais intervenção. De que serve observar, descrever, catalogar só para deixar que o mundo siga o seu curso predestinado?  Foi conhecimento de pessoas como Piaget, que conseguiram mudar a forma como vemos e lidamos com as crianças nas famílias e nas salas de aulas. Ele diz claramente que

“a educação é a única coisa capaz de salvar as nossas sociedades de um possível colapso, seja este violento ou gradual”.

O que tem vindo a acontecer, ao delegarmos a um tablet, ou televisão a função de “distrair” as crianças, quando na realidade, o que as empresas estão a fazer, é encontrar formas de monetizar esse tempo de antena. Crianças são agora o alvo de publicidade para os seus brinquedos e outros produtos, por isso a empresa não tem de apelar ao valor educacional ou nutritivo só tem de mostrar que é divertido e que todos os outros miúdos também o têm. Os pais só entram para pagar, isso é quando a criança não tem a sua própria conta bancária, com a sua mesada mais o dinheiro dos padrinhos e dos avós. E quem vende produtos, também dissemina ideologias, doutrinas, instruções para como interpretar a  informação e o mundo  desde muito tenra idade. 

Mas será que há esperança nesta nova geração? 

As crianças mais novas desta geração agora têm 13 anos e não há muito que se possa fazer com essa idade, pelo menos nos tempos que correm, mas:

Phillis Wheatley, jovem negra nascida em 1793 a viver em plena escravatura nos Estados Unidos, escreveu o seu primeiro livro de poemas aos 20 anos. Como jovem negra e escravizada, teve de ir a tribunal e, sujeitar-se a um exame para provar que era a autora dos seus poemas, antes de os poder publicar. E mesmo depois de provar que ela era a autora,  Poems on Various Subjects, Religious and Moral só foi publicado em Londres porque ninguém nos Estado Unidos  aceitou  publicar poemas de uma mulher escravizada.

Ruby Bridges, é mais nova do que a minha mãe, nascida em 1954, quando os Estados Unido finalmente decidiram que segregação no ensino escolar era ilegal. Mas só quando Ruby completou seis anos, em 1960, que ela e mais duas crianças negras frequentaram uma escola para crianças brancas. Aos seis anos ela foi para a escola escoltada pela Guarda Nacional. Com seis anos Ruby sentou-se numa escola onde os colegas a odiavam pelo simples fato de ser negra, onde muitos dos pais retiraram os seus filhos e todos os professores, exceto um recusaram-se a ensinar-lhe.  Ela ainda está viva, ela ainda é militante pelos direitos civis da comunidade negra e agora existe uma escola com o nome dela.  

– Mais próximo deste século temos, Malala Yousafzai, nascida no Paquistão em 1997, tinha 17 anos quando recebeu o prêmio Nobel da Paz, depois de ter sobrevivido a um tiro na cabeça por atender a aulas, como uma jovem do sexo feminino.  Malala nasceu numa altura em que na sua nativa Swat, o governo Talibã havia banido a educação para as crianças do sexo feminino. Depois do Prémio Nobel, ela continuou a estudar e é formada em Filosofia, Economia e Política e gere uma fundação com o seu nome, que continua a apoiar a educação de jovens do sexo feminino, no Paquistão. 

– E por fim temos a Greta Thunberg nascida em 2003, em pleno século XXI, agora com 20 anos continua disposta a salvar o nosso planeta, ao desafiar os líderes políticos a reconhecerem a urgência que é a mudança climática. Diagnosticada com a síndrome de Asperger (um tipo de autismo), Greta diz que só fala quando é necessário. Fala do clima e como verdadeira Gen Z, usa o Twitter com mestria em batalhas com miúdos e graúdos que a querem ridicularizar.  

Eu acredito que é necessário falarmos com e desta geração, não que ela esteja perdida, eu sinto que nós os graúdos, é que andamos distraídos. 

Todas as jovens mencionadas tiveram de superar desafios pessoais, onde por um motivo ou outro elas não deveriam existir naquele espaço, não deveriam ter voz, não deveriam mobilizar, questionar ou exigir mudança, mas cada uma à sua maneira conseguiu ser um motor para a  mudança.

Se para salvar um planeta em vias de extinção nós estamos a reverter as causas do aquecimento global, há esperança de ainda estarmos a tempo. Podemos fazer o mesmo com os jovens de 13 ou menos anos. 

Quando pensamos na nossa infância, o que nos vem à mente? Os testes com as notas mais altas, ou as férias de verão?

Os amigos e os bullies,  as gargalhadas  e as crises de choro, o Sol e a relva, a chuva e as poças de água?  E para quem teve essa sorte, os animais de estimação, cão, gato, tartaruga, periquito… Uma vida ligada à nossa que nos ensina sobre a vida e a morte, o amor, a amizade, a alegria e a dor.  

Os ossos eram para partir, mais ao menos, a bicicleta feita para aprender a cair, o baloiço para empurrar com mais força e mais depressa. Porque sim, porque é assim que nos formamos, aprendemos a lidar com os outros, levantando e voltando a cair. Nós temos um design magnífico, e fomos feitos para em criança, sobreviver aos nossos partidos, doenças virais, amigos perdidos e achados, e muito mais, desde que haja amor de um adulto que nos sirva de referência.   

Para salvar a geração à rasca, devemos começar por reverter a emissão de radiação por exposição a ecrãs, substituindo por energias renováveis como o Sol. Para isso temos de reduzir o horário de trabalho para menos de 35 horas semanais e não lutar tanto para reduzir o tempo de férias de aulas!! Eles ainda são crianças…  

Eu ainda me lembro das férias de verão de três meses e da liberdade de simplesmente fazer nada! Foi quando comecei a ler e a escrever, a procurar entender este mundo e a pensar que talvez um dia o pudesse mudar! 

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