Texto de Aoaní d’Alva originalmente publicado no BUALA
Lusofonia. Do latim Lusus, que exprime a noção de lusitano ou relativo a Portugal e do grego fonia, que exprime a noção de língua. Lusofonia. Gosto muito dessa palavra. Em termos práticos, quer dizer que os portugueses ocuparam terras alheias por uns séculos até serem expulsos e deixaram a língua de recordação, souvenir, basicamente.
Quando digo isso, há pessoas que levam a mal, como se fosse mentira… Uma vez uma senhora ficou mesmo ofendida! Puxou um nervo, como se diz em Angola, fumou fumou (em São Tomé e Príncipe não se diz estufou o peito) e disse-me: se não gostas, deixa de falar então! Ao que eu respondi: eu também não gosto de ser pobre, no entanto, cá estamos nós a dividir o assento do autocarro… E como ela, muitos pensam assim. “Ah, então deixa de falar a minha língua”. Nossa. A NOSSA língua. Como diria a icónica personagem Dona Gislaine, de Fabiana Karla: “Não te pertence mais!”
O que me kuia1 mesmo na lusofonia é a pluralidade de portugueses. Não estou a falar de portugueses pessoas, nacionalidade – que, pare-se para dizer, também está bastante plural. Estou a falar do português língua. O português em Portugal é uma coisa, aliás, várias coisas. No Brasil outras e nos PALOP então… Ui! Não falo de Timor porque infelizmente não conheço, não quero fingir uma intimidade que não existe.
Dizia eu, o que me kuia mesmo é a pluralidade de portugueses. E a forma tão distinta como cada um de nós lida com com eles. O português made in Brasil por exemplo: amplamente consumido e compreendido no resto da CPLP – Comunidade Países de Língua Portuguesa. E aqui, nem vale a pena atribuir os méritos ao Instituto Rio Branco ou aos assessores e consultores de imagem que circulam pela arena política brasileira, temos só mesmo que agradecer às novelas. Xê! Novela tem peso! Muito bonito isso…
O que não é bonito é ver novela portuguesa dobrada no Brasil, ou angolanos com legenda quando falam às televisões brasileiras. Quer dizer, eu sei que o Brasil é um país continental e ainda estão a aprender sobre si próprios, mas fica cansativo ter que explicar que a vossa língua é… NOSSA! Claro que há situações em que, claramente, os portugueses seguiram direções muito diferentes. A palavra “rapariga” é um excelente exemplo disso… Conselho: se você que me lê e não é brasileiro – não diga essa palavra no Brasil… Mas, se pelo contrário, você é brasileiro: desculpe, eu não quis ofender.
Ainda na senda dos diferentes portugueses, em São Tomé e Príncipe, por exemplo, falar com sotaque português é o equivalente a estatuto. É indicador de quem foi para a metrópole ou, pelo menos, teve uma “boa criação e vem de boas famílias”. Caso claro de síndrome crónica de assimilado. Fanon deve conseguir explicar…
Mas é um mambo mesmo sério, tanto que até há pouco tempo, falar alguma língua nacional podia aniquilar completamente qualquer possibilidade de ascensão social. Sério! Há coisa de uns 50 anos mais ou menos… resultado: a população mais jovem quase não fala as línguas nacionais, mas também está “a travar com as jantes” no português – com ou sem sotaque tuga… “parte que bandido matou artista é”2. Em STP o herói é sempre o artista e o vilão é sempre o bandido. E o “é” acompanha muitas frases no fim, para dar um ênfase extra. O nosso português é tão especial que trocamos os erres sem motivo aparente, assim andar de caro na arreia da praia sai sempre muito carro!
Entretanto, cheguei à conclusão de que Angola e Moçambique são os rebeldes da casa… A quantidade de palavras vindas das línguas nacionais que conseguiram introduzir no português, é: wow! De Angola vieram o mambo e o bwé, por exemplo. É certo que em Portugal gostam de escrever bwé com u – bué… mas tudo bem. Não chega a ser surpresa. Já estamos habituados a que tomem o que é nosso, alterem e entreguem de volta como se não tivéssemos sido nós a criar. Práticas centenárias.
Moçambique então esticou-se mesmo na rebeldia e como até partilha fronteiras com a África do Sul, além das línguas locais ainda traz a língua do outro colonizer para a panela! Falar em panela fez me pensar em caril. Caril para mim é aquele molho amarelo confeccionado, entre outras coisas, com açafrão. Já para os moçambicanos qualquer molho é caril e molho é maionese, piripiri… a quantidade de decepção que isso já gerou?! Maningue nice3!
Cabo Verde e Guiné-Bissau já nem entram na categoria de rebeldes, são mesmo BANDIDOS! Esqueceram tudo e se entregaram de corpo e alma no kriolo! Conheci um assimilado que um dia me perguntou: mas kriolo não é português mal falado? Ai nha mãe!forti gana dal dôs bafatada… só pá dôdo… Não, kriolo não é português mal falado, kriolo é resistência, reinvenção, subversão e resiliência. Kriolo é a prova de que os antepassados estavam muito a frente mentalmente, apesar de todas as vozes que dizem o contrário.
E sim, eu sei que o “correcto” é: “entregaram-se de corpo e alma ao Kriolo”, mas assim kuia mais, tem mais adoço… Além do mais, a língua é viva, evolui transforma-se. Até porque o correcto era não terem invadido a terra alheia, terra de dono, terra de gente, terra de guentis e foi o que foi, né? Hoje estamos aqui, a chamarmo-nos povos irmãos e a falar sobre a Lusofonia… Há souvenirs que kiuam yah? Kuiam bastante!