Nada de “novo”: Mulheres Negras emancipadas e as violências sociais contra os seus corpos

Bom dia, boa tarde ou boa noite jovem leitor (a).

Hábitos humanos são aprendidos socioculturalmente e são difíceis de ser transformados, principalmente quando educacionalmente/formalmente não adquirimos conhecimentos que nos estimulem a pensar devidamente sobre eles. Nestes últimos anos, antes, durante e após a pandemia Covid-19, temos vindo a nos deparar tanto no Brasil como em Portugal, com uma expansão do discurso de ódio, contra pessoas negras nas redes sociais e também nos media. 

Considerando os recortes de género e de origem étnico racial, as mulheres negras têm vindo a ser demonizadas e muitas vezes canceladas nos media e nas redes sociais. Para acessar na internet, artigos e pesquisas: “Discurso de ódio na internet tem mulheres negras como principal alvo”; as pesquisas A Violência Política Contra Mulheres Negras 2020 e Violência Política de Gênero e Raça no Brasil 2021, do Instituto Marielle Franco. “A guerra de desinformação odiosa contra Joacine Katar Moreira”, “Mulheres negras, jovens e em ascensão social são mais vítimas” , “Obviamente que não sou um anjo”, entre outros. 

No Brasil, temos um dos exemplos mais trágicos desta problemática, sobre como a ideologia racista não só mata mulheres negras, como tenta apagar as suas honras pós-mortes. A socióloga, ativista e política Marielle Franco, após ter sido assassinada em 14/03/2018, começou a ser caluniada nas redes sociais através de fake news. Algumas destas calúnias foram promovidas por personalidades das áreas política e jurídica brasileiras, ou seja, promovidas por pessoas com responsabilidade social, abastadas financeiramente, no entanto, desprovidas de ética e de consciência histórica. 

Em Portugal, um dos exemplos mais emblemáticos nos traz a historiadora, ativista e política Joacine Katar Moreira que foi atacada nos media e nas redes sociais e demonizada (criação e propagação de calúnias, fortalecimento do racismo de modos escrito e falado) desde o início da sua atuação política na Assembleia da República Portuguesa em 2019, até a sua saída da AR, com o término do XXII Governo Constitucional de Portugal, em 2022. De modo que, até o prezado momento, não a temos visto a ocupar um novo lugar laboral relevante na sociedade portuguesa, de acordo com todo o seu potencial formacional e histórico. Joacine Katar Moreira foi a primeira Deputada, mulher negra portuguesa a nos demonstrar que políticxs podem e devem trabalhar em prol de transformações sociais relevantes para todxs, independente de suas origens étnico-raciais, género, classes sociais, religiosidades, opções sexuais, nacionalidades e que mulheres negras não são propriamente corpos desprovidos de inteligência e/ou corpos submissos, domesticados. 

A cultura da demonização e do cancelamento de mulheres negras não é algo “novo”. É preciso que possamos aprofundar os nossos olhares e compreensões sobre diferentes épocas e através de diferentes dispositivos. 

Jovem leitor (a), como mulheres negras viveram nas antigas civilizações? Como mulheres negras que ocupavam lugares de poder eram interpretadas socialmente?

Como exemplo, a lendária Rainha do reino de Sabá, Makeda, Mulher Negra, etíope, é encontrada enquanto uma Rainha – sem nome – no Velho Testamento, obra da tradição religiosa cristã. Subtende-se que a mulher retratada em um dos mais belos poemas que já li (atribuído à Salomão): O Cântico dos Cânticos ou Cantares de Salomão (A Bíblia Sagrada, Sociedade Bíblica do Brasil, RJ, 1969), se trate da Rainha de Sabá. Do meu ponto de vista, um poema de amor onde podemos observar que tanto uma Mulher como um Homem, dois amantes, se desejam afetivo-sexualmente e amam-se espiritualmente. A Rainha de Sabá, se encontra referenciada nas obras das tradições religiosas monoteístas (crenças num Deus único) como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo (Velho Testamento, Novo Testamento, Torá, Alcorão) sem ter um nome atribuído. Se encontra devidamente nomeada e com relatos sobre a sua descendência com o Rei Salomão (Menelik I), na obra Kebra Nagast (Glória dos Reis), obra literária etíope. 

Segundo o historiador, físico, antropólogo e político Cheikh Anta Diop, Homem Negro, na obra The African Origin of Civilization: Myth or Reality, A Origem Africana da Civilização: Mito ou Realidade (Chicago Review Press, 2012), obra publicada em 1974, em Nova Iorque, não há documentos históricos que comprovem que a Rainha de Sabá e o Rei Salomão tiveram um relacionamento afetivo. No entanto, na obra Black Woman in Antiquity, Mulher Negra na Antiguidade (Transaction Publishers, 1984), do reconhecido – e perseguido – professor/pesquisador de História, Ivan Van Sertima, Homem Negro, Makeda, a Rainha de Sabá e o Rei Salomão, se relacionaram afetivamente, gerando descendência (Menelik I). Sertima explana sobre o poder da Rainha Makeda, cujo Império era tão importante como o do Rei Salomão e sobre as possíveis negociações políticas entre os dois. 

De modo que, quem sabe jovem leitor (a), se estiveres inspirado (a) à prática da pesquisa, possas se interessar em pensar/pesquisar sobre as práticas de demonização e de cancelamento de personalidades, Mulheres Negras, nos tempos atuais, não como algo “novo”, mas sim como algo absolutamente antigo e presente nas nossas histórias humanas? 

 

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