Por Hirondina Joshua (Moçambique/Maputo)
O bairro onde moro foi atropelado pelo tempo que forçosamente nega-se a empacotar outros destinos. Chama-se “Alto”…Quando a chuva que lhe corre é fria não nas suas temperaturas, escorregadia como a brisa que se ventea nos buracos felizes destas ruas serpenteadas em areias ao invés de betão.
Chama-se “Alto”…Este habitat de “latas” novas trazidas por sei lá quem a este paraíso urbano sem nome em nós, queremo-lo assim entre-alma e carne, passageiro, nomes são significados que não significam nada. Além de mais não os sabemos ler nem escrever e se soubessemos isto menos significaria. Em nós há um bairro onde moramos e nos moramos, vivemos e morremos a cada milésimo de segundo. E isto basta-nos. Basta-nos.
Tenho um alto-maé que vive em mim
alto-maé de casas que testemunham o silêncio a fúria em cinza
das moças que vestem saias que demarcam fronteiras suspeitas
com os rapazes que ao invés de calças vestem “tchuna boys”
suas roupas interiores são mais curiosas que o mundo.
Há muitos alto-maés em mim,
das flores que transpiram a volúpia nocturna perto da pelé-pelé
das rotundas de jardins quadrados
da gente alegre e mais esperta da cidade (alto-maé não me deixa mentir)
nem suas mesquitas e igrejas calam a voz de Deus aqui onde o sol se senta
mesmo de noite
do negro mercado negro que devia se chamar lua ao invés de “estrela” pois nela embarcam todas ânsias daquelas gentes, muitas delas não daqui,
da padaria Moçambique que desde sempre alimentou a esperança de um melhor pão,
dos barulhos quentes dos ralis antes do fim de semana
do sapateiro que canta com o seu martelo abingalado
de alguém a escrever um verso que talvez não mude nada, mas um verso é um verso,
um verso é um universo
o inverso disto é que não era é humano
cada um com o seu alto-maé.
Este é o meu. Este foi o que me deram. Este é o que vejo e que me olha sempre.
De um outro não preciso.
Daqui consigo sentir a voz de todos alto-maenses
porque o som não tem gente na sua metafísica
nem um bairro existe quando não se tem por existir
repito: cada um com o seu alto-maé, e este meu é altíssimo em mim.