Síndrome da impostora ou bravura perante a adversidade

A “síndrome da impostora” não nasceu síndrome, nasceu fenómeno. As psicólogas norte-americanas, Pauline Clance e Suzanne Imes, que cunharam o termo “fenómeno da impostora”,  utilizaram a expressão pela primeira vez em 1978 no artigo “O Fenómeno da Impostora em Mulheres Bem-Sucedidas: Dinâmica e Intervenção Terapêutica” [The Impostor Phenomenon In High Achieving Women: Dynamics and Therapeutic Intervention].  

Enquanto professora assistente na Oberlin College, instituição de ensino em Ohio, nos EUA, Clance começou a observar que várias estudantes partilhavam sentimentos de incapacidade intelectual, apesar de os seus resultados serem positivos em exames e outras atividades. Ao juntar-se com Suzanne Imes, sua colega na mesma instituição, constataram que ambas tinham os mesmos tipos de sentimentos. Ambas passaram cinco anos a entrevistar mais de 150 mulheres bem-sucedidas, desde estudantes e professoras de várias universidades, profissionais de áreas como o Direito, Enfermagem e Serviço Social, e publicaram o estudo “O Fenómeno da Impostora em Mulheres de Bem-Sucedidas: Dinâmica e Intervenção Terapêutica”. Constataram que as mulheres que participaram no seu estudo eram particularmente predispostas a terem sentimentos de fraude relativamente às suas capacidades intelectuais e que viviam num constante estado de pavor de que pessoas relevantes descobrissem que se tratavam de “impostoras intelectuais”. Em 1985, quando as psicólogas publicaram o livro O Fenómeno da Impostora, o termo já estava a ganhar terreno, mas foi apenas com o surgimento das redes sociais que o termo vingou, mas rebatizado como “a síndrome da impostora”.

O incómodo que as mulheres sentem por estarem numa determinada posição que a sociedade não reconhece como  sua fazia com que as mulheres duvidassem das suas próprias capacidades. Verificava-se uma internalização das projeções que lhes eram impostas. A Dra. Catherine Harmon Toomer, médica, hipnoterapeuta e praticante de PNL (Programação Neurolinguística) chama a atenção para a falácia de se chamar síndrome aos sentimentos, naturais da experiência humana, patologizando-os.  Sentimentos estes que surgem até mesmo perante situações de sucesso. Clance e Imes concluíram que a síndrome da impostora acontece quando estereótipos e preconceitos são internalizados e, mais ainda, quando o sucesso vivido por essas mulheres não corresponde às expectativas da sociedade e são confirmados com as mensagens que as mulheres recebem no seu percurso para o sucesso. Segundo Toomer, na sua palestra na TEDxCariobaStudio “sentir-se uma fraude não faz um impostor. Agir como uma fraude, sim.” Ou seja, para se ser um impostor ou uma impostora “a intenção importa”. No caso de quem quer ser bem-sucedido, a única intenção é atingir objetivos mais elevados, melhorar-se e melhorar a vida de quem os rodeia. A especialista em programação neurolinguística conclui que, em outras circunstâncias, quando uma pessoa se supera constantemente perante o medo, a dúvida ao sentir-se uma fraude é a manifestação de força, coragem e bravura. A Dra. Catherine Harmon Toomer, questiona, portanto, a patologização de sentimentos que fazem parte do desenvolvimento pessoal: nervosismo numa nova situação, medo de falhar, dúvidas ao enfrentar dificuldades, ansiedade em lugares em que precisamos de proteção psicológica. 

Esta abordagem altera completamente a forma como podemos e, provavelmente, devemos olhar para o fenómeno/síndrome da impostora. Perante a adversidade cerca de 70% das pessoas sentem que são uma fraude, segundo o artigo das psicólogas clínicas Pauline Clance e Suzanne Imes acima citado. A realidade de pessoas negras é uma constante deslegitimação e a síndrome da impostora pode manifestar-se em muitos de nós com mais frequência, uma vez que o racismo estrutural fornece recursos suficientes para que a auto-dúvida, as incertezas e a necessidade de nos protegermos psicologicamente sejam a nossa forma de vida. Desfazer todas as inverdades com as quais nos deparamos em manuais escolares, produtos culturais, até mesmo na legislação é um exercício de reavaliação permanente que inevitavelmente nos pode tornar hiper-vigilantes. Mas se a nossa leitura for a de Maya Angelou “And Still I Rise” [Ainda Assim Me Levanto], as observações da Dra. Catherine Harmon Toomer fazem todo o sentido. Não se trata nem de uma síndrome nem de uma postura de impostor, trata-se do desenvolvimento pessoal perante a adversidade e isso é pura bravura.

 

Ainda Assim Me Levanto

Podes escrever-me na história,

Com as tuas amargas e perversas mentiras, 

Podes até pisar-me no chão,

mas ainda assim, como a poeira,

Ainda assim eu me levanto

 

O meu atrevimento incomoda-te?

Por que te incomoda o brilho?

Porque ando como se se possuísse poços de petróleo

a jorrar na minha sala.

Como sóis e luas

Com a certeza das marés

como a esperança que se eleva 

Ainda assim me levanto  

 

Querias ver-me derrotada?

Cabeça e olhos baixos?

Ombros caídos como lágrimas,

Enfraquecida pelos gritos da minha alma?  

 

A minha altivez ofende-te?

É duro para ti?

Porque me rio como se tivesse minas de ouro

a serem cavadas no meu quintal?

 

Podes alvejar-me com as tuas palavras

Cortar-me com os teus olhos

Podes matar-me com o teu ódio

Mas ainda assim me levanto

 

A minha sensualidade incomoda-te?

Surpreende-te 

que eu dance como se tivesse diamantes 

Na junção das minha coxas?

 

De entre as cabanas de uma história vergonhosa

Levanto-me

De um passado enraizado na dor

Levanto-me

Sou um oceano negro, saltitante e vasto,

Nas baixas e altas 

eu aguento-me na maré

 

Deixando para trás noites de terror e medo

Levanto-me

Para um amanhecer maravilhoso e cristalino

Levanto-me

Trazendo as oferendas dos meus antepassados,

Eu sou o sonho e a esperança do escravo 

Levanto-me 

Levanto-me 

Levanto-me 

 

Maya Angelou

(Tradução de Carla Fernandes)

 

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