Sobre o tempo

São 18 as entradas no dicionário para definir tempo:

tempo* (tem·po)

nome masculino

  1. Série ininterrupta e eterna de instantes. 2. Medida arbitrária da duração das coisas. 3. Época determinada. 4. Prazo, demora. 5. Estação, quadra própria. 6. Época (relativamente a certas circunstâncias da vida, ao estado das coisas, aos costumes, às opiniões). 7. Estado da atmosfera. 8. [Por extensão] Temporal, tormenta. 9. Duração do serviço militar, judicial, docente, etc. 10. A época determinada em que se realizou um facto ou existiu uma personagem. 11. Vagar, ocasião, oportunidade. 12. [Gramática] Conjunto de inflexões do verbo que designam com relação à actualidade, a época da acção ou do estado. 13. [Música] Cada uma das divisões do compasso.14. [Música] Velocidade a que uma obra musical é executada. 15. [Linguagem poética] Diferentes divisões do verso segundo as sílabas e os acentos tónicos. 16. [Esgrima] Instante preciso do movimento em que se deve efectuar uma das suas partes. 17. [Geologia] Época correspondente à formação de uma determinada camada da crusta terrestre.18. [Mecânica] Quantidade do movimento de um corpo ou sistema de corpos medida pelo movimento de outro corpo.

Há ainda outras  formas variadas  do tempo ser visto dependendo se, a seu tempo, a tempo e horas, a matar tempo, a queimá-lo, a perdê-lo.

Por fim há o:

tempo universal

  • Tempo civil de Greenwich, em Inglaterra (sigla: T.U.).

Ou o,

tempo universal coordenado

  • Escala de tempo difundida pelos sinais horários (sigla internacional: UTC).

No entanto, a universalidade de todas as formas de tempo não existe da mesma forma para todas as pessoas. Não existe da mesma forma quando se mede o nosso valor no número de horas que dedicamos a usar o nosso corpo a favor da produção. Quando as horas são definidas em relação a um sistema de produção baseado num paradigma extrativista da terra e do ambiente, dependente da falta de bem estar, da possibilidade de ser-se plenamente, focado no lucro a todo o custo e pelo custo mais baixo. Quando, algumas pessoas não têm direito ao espaço para viver o seu tempo, a sua história porque lha foi roubada, silenciada, genocidada, apagada, morta e enterrada por uma terra distante da sua. 

O tempo é nos retirado com a falácia de que este é o único sistema que funciona. Este sistema da luz, da claridade, higiénico, falsamente funcional, transparente, que é mais democrático, que reitera e sustenta o opressor, o normal errado, normalmente errado. 

É nos retirado o tempo para que nos continuemos a entender como pessoas individuais, sem comunidade, sem história. Com culpa cristã, sem responsabilidade histórica. Importa ter, não importa ser. Importa o conforto e a satisfação imediata, não se valoriza a reflexão ou a complicação. A opacidade, o não saber, o precisar-se de pensar, ler, perceber e não perceber, perguntar, dividir, procurar. A contradição, a continuidade, a não linearidade. 

Como o tempo, também o feito, depois de feito, está, depois de passar o tempo é/está passado. Mas o que contribui o que foi, para o que é e para o que virá a ser? O que fazemos com a falta de/do tempo. Que falta o tempo faz? 

Construímos em cima do que está doente, não podemos parar, adoentado-nos. Passamos o tempo enquanto sentimos falta dele, sem termos acesso a ele porque não temos autonomia efetiva em relação ao tempo. Não conhecemos a nossa história, não temos as histórias das nossas avós, não somos da terra das nossas mães. Elas não nos contam muitas vezes como foi para elas porque “não precisas saber”, porque “para que é que precisas saber” e vai-se o tempo. Nem nos livros de história, as nossas histórias aparecem. 

Corremos para todo o lado, sem espaço, lembrando-nos que os pulmões alocados no nosso peito precisam de ar. Respirar.

Este tempo universal não foi feito, não foi construído a pensar em ti, a pensar em nós. Então é para quem, é para quê? Cada vez mais importa tomar consciência de que apesar do tempo não ter a função nestes sistemas, lugares, contextos, de que construamos complexidade, nós somos intrinsecamente todas as coisas visíveis e invisíveis, que sabemos contar e que não conhecemos. A resistência também é isto.

“Exigimos que devolvam o nosso tempo” — diz o poema escrito a quando o grupo: Ana Cristina Pereira/Kitty Furtado, Aline Frazão, Apolo de Carvalho, Géssica Correia Borges, Inês Beleza Barreiros, Mamadou Ba, Marta Lança, Pirá/Ellen Lima Wassu, Sara Henriques, Tomé Silva se reuniu e redigiu a Declaração do Porto que traça um conjunto de reivindicações ao Estado Português no sentido da reparação do irreparável. **

(Re) paramos que mesmo o que já não volta atrás tem outras formas de ser. O tempo não é uma linha reta é mais um nevoeiro de tudo o que paira no ar,  que foi, que é, que será. Então que o tempo se torne mais nosso no não termos de ser nada, de fazer nada para além de trânsito, de caminho, de comunidade, de (des) construção. A seu tempo, com tempo, de tempo a tempo. 

 

*”tempo”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/tempo.

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