O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado anualmente a 11 de fevereiro, é uma iniciativa lançada em 2015, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). No entanto, a celebração da ciência no feminino é algo que Mariana Alves, que fundou o projeto Cartas com Ciência em 2020, juntamente com Rafael Galupa, diz ser uma missão diária. Os dois cientistas portugueses, já conseguiram que, de setembro de 2020 a janeiro de 2023, participassem mais de 500 estudantes-cientistas de mais de 19 turmas em 8 países. Com uma comunidade de mais 700 cientistas, têm 13 programas completados e seis a decorrer, e 89% dos estudantes conheceram um cientista pela primeira vez.
Mariana Alves explica que se trata de uma iniciativa sem fins lucrativos que busca promover espaços de diálogo entre cientistas de todo mundo, que falam a língua portuguesa, e alunos dos países membros da CPLP. “É um projeto destinado especificamente aos alunos com baixos rendimentos, porque os estudos mostram que é a estes alunos que é dado menos acesso à ciência, sobretudo às meninas. Nós produzimos cartas que abordam temas científicos de maneira simples e interessante para o público em geral.”
A organização Cartas com Ciência acredita que a divulgação científica é essencial para a sociedade atual, e o envolvimento de populações potencialmente com menos acesso a essa área faz todo o sentido. “Vivemos num mundo cada vez mais tecnológico e dependente da ciência, e é importante que as pessoas tenham acesso a informações científicas de qualidade para tomarem decisões informadas em suas vidas pessoais e profissionais. Além disso, a ciência também pode ser fonte de inspiração e de respostas para muitas das questões que enfrentamos como sociedade e Mulheres.”
Em países da CPLP, as cartas com ciências são usadas para comunicar descobertas em uma ampla variedade de campos, incluindo biologia, química, física, geologia, medicina, matemática e muito mais. Essas cartas são usadas para compartilhar novas pesquisas, para solicitar informações e ajuda, para discutir novas teorias e para trabalhar em colaboração em projetos de pesquisa, valorizando as vozes e as experiências de jovens cultivando um sentimento de que a ciência pode ser para elas se assim o desejarem.
Em Cabo Verde, a iniciativa Cartas com Ciência tem duas turmas com 50 estudantes a participarem em programas duradouros. Em Portugal, são cinco turmas com 85 estudantes, no Brasil são três turmas com 101 estudantes, na Guiné-Bissau, há uma turma com 15 estudantes, em São Tomé e Príncipe, são quatro turmas com 91 estudantes, em Angola há uma turma com 48 estudantes, em Moçambique, existem duas turmas com 51 estudantes e em Timor-Leste, existe também uma turma com 21 estudantes.
“Vivemos num mundo cada vez mais tecnológico e dependente da ciência, e é importante que as pessoas tenham acesso a informações científicas de qualidade para tomarem decisões informadas em suas vidas pessoais e profissionais. Além disso, a ciência também pode ser fonte de inspiração e de respostas para muitas das questões que enfrentamos como sociedade e Mulheres”
Mariana Alves
A cabo-verdiana Denise Azevedo Camacho, doutoranda na Fundação Champalimaud, é cientista voluntária do projeto Cartas com Ciência e falou sobre a falta de visibilidade, representatividade e de oportunidades das mulheres nas plataformas das ciências. A cientista acrescenta ainda que, segundo pesquisas, temos mais mulheres no início da vida académica, com uma percentagem de 54% contra os 46% de homens. No entanto, depois da licenciatura este número, que aparentemente coloca as mulheres numa situação de vantagem, baixa muito por falta de valorização e de oportunidades que são dadas maioritariamente aos homens.
“Porém há cada vez mais mulheres na Ciência, mas (ainda), são poucas as que escalam na hierarquia. Os números globais até são animadores. No entanto, Portugal contava, não só com 52% de mulheres cientistas e engenheiras, em 2020, como era mesmo uma referência entre os Estados-membros da União Europeia (UE), ao lado da Lituânia e da Dinamarca, e bem distante dos 30% verificados na Finlândia e dos 31% apurados na Hungria, segundo dados do Eurostat.”, explica a Denise Camacho.
Denise Camacho lembra ainda que no mundo das ciências existem sexismo, estereótipos e racismo. No seu caso, sofre discriminação duplamente; não só por ser mulher, mas também por ser negra. Por todas estas nuances e factos, o trabalho da iniciativa Cartas com Ciência, apresenta-se como uma experiência gratificante para esta cientista.
“A minha experiência enquanto cientista no projeto Cartas com Ciência com uma menina do meu país, Cabo-Verde, foi fantástica, porque eu consegui ver-me no lugar dela, percebendo que ela tinha as mesmas dúvidas que eu tinha. A sorte dela é que ela conseguiu ter contato com as ciências ainda no ensino secundário. Então, para mim, é muito gratificante ajudar estas meninas a seguir uma carreira científica caso seja uma coisa que elas queiram levar em frente.”, conta Denise Camacho.
Segundo Mariana Alves, um dos principais desafios é conseguir simplificar conceitos científicos complexos de forma a que possam ser compreendidos pelo público. “Também procuramos ser cuidadosos em relação à veracidade das informações que estamos a divulgar, para evitar a disseminação de informações erradas ou mal interpretadas, e no que toca às mulheres ainda temos muito por fazer”, esclarece.
As Cartas com Ciência apresentam-se enquanto uma forma eficaz de compartilhar informações, colaborar em projetos de pesquisa e inspirar a próxima geração de cientistas, ao promover o avanço da ciência e da educação em todo o mundo.
Com Carla Fernandes