Escrito por Richard Atimniraye, traduzido por Iasmin Rabelo e publicado em GlobalVoices
Nascido em 1928, Cheikh Hamidou Kane, renomado escritor senegalês, cativou leitores e acadêmicos com um legado duradouro que se estende por quase seis décadas. Apesar de ter publicado apenas dois romances, “L’Aventure ambiguë” (A Aventura Ambígua) (1961) e “Les Gardiens du temple” (Os Guardiões do Templo) (1995), as contribuições literárias de Kane alcançaram o status de clássico, atingindo um público mundial. Seus romances, explorações penetrantes da profunda inquietação da classe intelectual da África durante a colonização francesa, foram traduzidos para inúmeros idiomas e incorporados aos currículos acadêmicos em todo o mundo.
O local de nascimento de Kane, a pequena cidade de Matam, situada às margens do majestoso rio Senegal, fornece um pano de fundo para sua exploração aprofundada da tumultuosa história da África, seus dilemas de identidade e um profundo autoexame. Em seu trabalho seminal, “L’Aventure ambiguë”, ele tece uma narrativa comovente centrada na vida de Samba Diallo, um jovem criado nas devotas tradições corânicas de Diallobé, uma nação fictícia inspirada na região norte do Senegal, Fouta Toro. A vida de Diallo sofre uma reviravolta dramática quando ele entra na “escola dos Brancos” e confronta a noção de sucesso sem retidão, uma experiência que afeta profundamente sua identidade.
Este artigo faz um mergulho profundo em “L’Aventure ambiguë” de Kane, concentrando-se em seus temas centrais: a complexidade da identidade, a busca por um propósito e o choque de culturas. Utilizando as profundas reflexões e citações evocativas de Kane, meu objetivo é mostrar a riqueza da literatura africana contemporânea. Durante meu atual trabalho de campo antropológico em Taiwan, fiquei intrigado com a ideia de introduzir a literatura africana, que enfatiza valores imateriais, espirituais e coletivistas, para contrabalançar o materialismo e o individualismo impulsionados pelo progresso tecnológico. Ao compartilhar essas perspectivas, podemos descobrir novas percepções para uma existência mais equilibrada e gratificante. Ao valorizar essas questões universais, nós nos empenhamos em promover uma compreensão mais profunda e a celebração de diversas narrativas culturais, incentivando assim o diálogo intercultural e enriquecendo nossa experiência humana compartilhada.
A busca por significado e identidade cultural
Em “L’Aventure ambiguë”, Cheikh Hamidou Kane articula de forma pungente o desconforto que vem com o materialismo excessivo, afirmando:
O homem nunca foi tão infeliz como agora, quando acumula tanto.
Essa afirmação ressoa profundamente em nossa sociedade atual, onde a busca incessante por ganhos materiais muitas vezes resulta em um sentimento avassalador de vazio e descontentamento. No mundo hiperconectado de hoje, as pessoas são continuamente expostas a mensagens que equiparam riqueza material com felicidade, o que leva a uma busca incessante de bens sem satisfação real.
Além disso, a sabedoria de Kane transparece em suas palavras:
Quando a mão é fraca, a mente corre grandes riscos, pois é a mão que a defende… mas a mente também corre grandes riscos quando a mão é forte demais.
Essa citação enfatiza o delicado equilíbrio necessário entre os reinos físico e espiritual da vida. Em meio às pressões do mundo moderno, as pessoas se esforçam para encontrar um equilíbrio entre suas conquistas materiais e a paz interior. O foco excessivo na riqueza material, ao mesmo tempo em que se negligencia os aspectos emocionais e espirituais, pode resultar em um profundo desequilíbrio e desconforto.
Para enfatizar isso, considere como nossa sociedade acelerada e voltada para o consumo muitas vezes equipara a felicidade à riqueza material. Muitas pessoas gastam tempo e energia consideráveis colecionando bens, buscando aprovação e validação dos outros. No entanto, conforme as posses se acumulam, a empolgação inicial desaparece, levando à percepção de que a felicidade genuína não se resume à abundância material. Essa revelação frequentemente gera um foco renovado em encontrar propósito e significado além das posses materiais.
Em nossas sociedades, onde o crescimento econômico, a competição e o sucesso material são considerados as principais metas, as pessoas podem começar a entender a necessidade de equilibrar as buscas materiais com a satisfação pessoal. Elas podem se voltar para o cultivo de seu eu interior, explorando atividades espirituais, a atenção plena e a introspecção para restaurar a harmonia em suas vidas. Ao priorizar experiências, relacionamentos e desenvolvimento pessoal em vez de pura acumulação material, elas podem ter como objetivo levar uma vida mais gratificante e com propósito.
Identidade e gerações futuras
Um dos principais temas abordados no romance é a delicada tensão entre manter a integridade e fazer concessões. Kane reconhece que o caminho para uma vida plena e a manutenção de seu verdadeiro eu envolve navegar pelo intrincado labirinto de concessões. Esse entendimento é capturado na frase marcante:
Quem quiser viver, quem quiser permanecer fiel a si mesmo, deve fazer concessões.
Isso serve como um lembrete pertinente de que a preservação da identidade de uma pessoa muitas vezes exige decisões difíceis, atingindo um equilíbrio delicado entre os ideais pessoais e as duras realidades da vida.
Ademais, ressalta o papel fundamental das crianças como futuras guardiãs da cultura e do patrimônio:
Nossas melhores sementes e nossos campos mais preciosos são nossas crianças.
Esse sentimento enfatiza a importância atribuída à geração mais jovem e suas responsabilidades na preservação e no avanço das tradições culturais. O romance se aprofunda nas escolhas difíceis feitas pelos pais que voluntariamente entregam seus filhos à influência da educação ocidental, lutando com a possível diluição das normas tradicionais enquanto vislumbram um futuro mais próspero.
A relação entre a educação e a transformação da sociedade
“L’Aventure ambiguë” inclui uma passagem envolvente que resume de forma vívida o profundo dilema que as elites africanas enfrentaram na década de 1960:
Na escola para onde envio nossos filhos, ela matará dentro deles o que atualmente prezamos e preservamos cuidadosamente, e com razão. Talvez até nossas próprias memórias pereçam dentro deles. Quando eles voltarem da escola, haverá alguns que não nos reconhecerão. O que proponho é que aceitemos a ideia de morrer dentro de nossos filhos e permitir que os estranhos que nos desmantelaram ocupem o espaço que deixamos para trás por vontade própria.
Nos tempos conturbados do domínio colonial, que ainda lançam uma sombra sobre a África, essa citação comovente reflete as preocupações e os medos que as pessoas enfrentavam. Ele chama atenção para o papel crucial de La Grande Royale, que é a mãe de Samba Diallo na história. Diallo é o personagem principal do livro, e o impacto de La Grande Royale em sua vida e na mensagem geral do livro é profundo. Embora não concorde com o sistema educacional estrangeiro, ela se sente compelida a enviar seus filhos para lá porque acredita que não há opções melhores para eles.
Vim para lhe dizer isso: Eu, Grande Royale, não gosto da escola estrangeira. Eu a desprezo. No entanto, em minha opinião, ainda devemos enviar nossos filhos para lá.
Suas palavras ressaltam as difíceis decisões enfrentadas pelas elites africanas, divididas entre resistir aos ditames coloniais e reconhecer a necessidade prática da educação para o futuro de seus filhos.
Além disso, Kane afirma que:
O canhão restringe os corpos, a escola cativa as almas.
Essa declaração enfatiza o papel transformador da educação na sociedade. O mundo moderno também reconhece a influência da educação na formação do futuro. A importância atribuída ao sucesso escolar e à educação confirma a crença em seu potencial para efetuar mudanças sociais consideráveis.
A sociedade atual reconhece amplamente a educação como uma ferramenta potente capaz de moldar o futuro e incitar mudanças significativas na sociedade. A busca pela educação é vista não apenas como uma jornada para adquirir conhecimentos e habilidades, mas também como uma força motriz para o progresso social e o crescimento pessoal.
Essa citação enfatiza que a educação não se trata apenas de transmitir conhecimento acadêmico. Ela transcende os livros didáticos e as salas de aula, cativando a própria essência dos indivíduos e moldando seus ideais, sua moral e suas aspirações. A educação oferece uma plataforma para cultivar empatia, tolerância e respeito pela diversidade, incentivando assim uma sociedade mais inclusiva e harmoniosa. Ao oferecer às pessoas a chance de superar obstáculos socioeconômicos, ela também desempenha um papel fundamental na promoção da igualdade social e na redução das disparidades.
Concluindo, a literatura africana, exemplificada por “L’Aventure ambiguë”, de Cheikh Hamidou Kane, aborda temas universais da condição humana, identidade cultural e transformação social. Ela justapõe as tradições africanas às influências estrangeiras, explorando os dilemas morais decorrentes desse confronto. Relacionando esses temas às realidades contemporâneas, vemos como a literatura africana transcende as fronteiras culturais, destacando questões universais que provocam profunda reflexão, aumentando assim nossa compreensão e apreciação de sua relevância.