O 25 de abril também é das mulheres das lutas de libertação

Hoje celebra-se o 25 de abril em Portugal e as lutas de libertação nos países africanos ocupados por Portugal, que combateram pela independência surgem como uma das principais causas da concretização da chamada Revolução dos Cravos. Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, São-Tomé e Príncipe foram os territórios africanos ocupados por Portugal e alguns dos países considerados províncias ultramarinas. No entanto, os principais teatros de guerra foram Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, o que não significa que os outros territórios não estivessem envolvidos nos conflitos armados. Foram treze anos de guerra e mortes incontáveis de ambos os lados durante o período entre 1961 e 1974. Portugal, um país empobrecido económica e moralmente perdia os seus filhos para uma guerra que já não convencia a população da “metrópole”, pelo contrário, tornava-a cada vez mais revoltada perante a falta de coerência do discurso político que se declarava um país pluricontinental e multirracial, mas que não era próspero. Para quê então tantos sacrifícios?

A revolução alimentou-se também desta realidade ditada pela agenda africana que tinha como objetivo, alcançar a autodeterminação dos países ainda sob jugo colonial. E cada vez mais se evoca a expressão “o 25 de abril nasceu em África” e seria pertinente acrescentar que o parto foi realizado também por mulheres. Interessa, por isso, ressaltar os contributos dessas mulheres nos diferentes territórios, uma vez que, para além de terem participado enquanto guerrilheiras em frentes de guerra em destacamentos femininos, como foi o caso da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), principalmente, também desenvolviam outras atividades. Vamos deixar aqui uma curta nota biográfica de uma mulher de cada país e destacar os seus contributos para a independências dos seus países e consequentemente para a concretização do 25 de abril.

 

Deolinda Rodrigues: diplomata, escritora e guerrilheira (Angola)

 

Deolinda Rodrigues também conhecida como a “Mãe da Revolução”, ou pelo seu nome de guerra “Langidila” (ser vigilante, em kimbundu), nasceu em Catete, província de Luanda, a 10 de fevereiro de 1939, numa família metodista. 

Aos 20 anos, foi um dos nomes que constou no famoso “Processo dos 50”, que se materializou na prisão e julgamento de um grupo de nacionalistas que se organizaram clandestinamente para criar ações com o objetivo de conduzir Angola à independência. Deolinda Rodrigues conseguiu escapar da prisão, porque, em 1959, estava a usufruir da sua bolsa de estudos concedida pela missão protestante, e encontrava-se no Brasil, a estudar no Instituto Metodista de Ensino Superior, em São Bernardo do Campo, região do Grande ABC, mas foi extraditada, um ano e meio depois. Portugal e Brasil tinham assinado um acordo que permitia a extradição de pessoas que apresentassem uma ameaça à estabilidade do Estado português e das suas colónias. Foi nesse período que trocou cartas com Luther King, seguiu para Illinois, nos Estados Unidos, onde deveria prosseguir os estudos. Mas, antes de completá-los, regressou a Angola para lutar contra pela luta pela independência. 

Juntou-se ao MPLA, foi responsável pelo corpo voluntário de assistência aos angolanos refugiados, foi eleita membro do comité diretor do movimento em 1962 e co-fundou a Organização da Mulher Angolana(OMA). Apresentava na rádio do partido o programa A Voz de Angola Combatente e participava dos treinos de guerrilha em Kabinda, onde foi, em 1966, convidada para fazer parte do Esquadrão Kamy. Em 1967, Deolinda Rodrigues, Engrácia dos Santos, Irene Cohen, Lucrécia Paim e Teresa Afonso foram capturadas pela UPA (União da Populações de Angola), no dia 2 de março, data em que se celebra o Dia da Mulher Angolana. Langidila morreu a lutar pela independência do seu país sob condições ainda a esclarecer, apesar de haver informações de que foi torturada e esquartejada.  Tinha apenas aos 28 anos. 

As suas obras Poesia Angolana de Revolta (2003), Cartas de Langidila e outros Documentos (2004) e Diário de Um Exílio Sem Regresso foram publicadas apenas após a sua morte. Existe ainda um documentário de 2014 sobre a sua vida LANGIDILA – “Langidila, diário de um exílio sem regresso” (https://www.youtube.com/watch?v=wZt2OwQJE1U)

 

Josefina Chantre: promotora da igualdade de direitos sociais e económicos (Cabo Verde)

 

Zezinha Chantre, é como também é conhecida Josefina Chantre. Foi uma das fundadoras da Organização das Mulheres de Cabo Verde – dedicando-se a iniciativas de promoção social e económica das mulheres e à luta pela igualdade de direitos.  Teve uma forte atuação junto à Rede de Mulheres Parlamentares Cabo-Verdianas (RMP-CV) e presidiu a Renascença Africana – Associação das Mulheres da África Ocidental – RAMOA-CV.

Zezinha nasceu em 1942, na Ilha de Santo Antão, Cabo Verde. Na infância, durante o período de dominação portuguesa, estudou no Liceu Nacional Gil Eanes de Mindelo. No início dos anos 1960, foi para Lisboa com uma bolsa de estudos do governo português para fazer o curso de Consultor Técnico de Serviço Social.

Voltou para Cabo Verde e, em 1963, viveu quatro anos em Luanda, Angola, onde trabalhou como Assistente Social acabando por voltar para Portugal, para fazer um novo curso na Escola Superior do Serviço Social.

De regresso a Lisboa, envolveu-se nas lutas pela independência das colónias africanas e passou pela Suécia e pelo Argel e, finalmente, Zezinha juntou-se aos líderes do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), em Conacri.

Depois de ter feito uma preparação militar, Zezinha Chantre recusou a nomeação de Amílcar Cabral para dar aulas e juntou-se antes ao secretariado pessoal do líder da luta de libertação. Tornou-se responsável pelo jornal Actualités, órgão de comunicação do PAIGC, que tinha como objetivo a difusão da luta armada e a divulgação das ações do partido junto às comunidades. Em 1973, representou o PAIGC em Argel, viveu durante algum tempo na Guiné e em 1980 mudou-se definitivamente para Cabo Verde.

 

Titina Silá: guerrilheira (Guiné-Bissau)

 

Ernestina Silá, conhecida popularmente como Titina Silá, foi militante, guerrilheira e heroína na luta pela Libertação Nacional na Guiné-Bissau. Nasceu em Cadique, ao sul de Tombali, em 1943. Em 1962, aos dezanove anos, juntou-se ao movimento revolucionário, aderindo ao que defendia o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde – PAICG.

Alguns anos depois, já como militante, participou num curso de formação para socorristas, na União Soviética. Assumiu as funções de comissária do Norte de Sará-Candjambari, e membro do Comitê Superior da Luta (CSL), em 1970. Durante a guerra, casou-se com outro membro do CSL, Manuel D’igne, com quem teve dois filhos, um deles falecido em 1972. Em 1973, Silá e outros combatentes foram vítimas de uma emboscada levada a cabo por uma patrulha portuguesa, quando se deslocavam pelo Rio Farim, em direção à Guiné-Conacri, para participar do funeral de Amílcar Cabral, que tinha sido assassinado a 20 de janeiro de 1973. O dia da morte de Titina Silá foi instituído como o Dia da Mulher Guineense, 30 de janeiro.

 

Josina Machel: diplomata, educadora, guerrilheira (Moçambique)

 

Josina Machel é considerada um ícone da emancipação da mulher moçambicana e o dia 7 de abril, a data da sua morte, foi decretado pelo governo da FRELIMO, o Dia Nacional da Mulher Moçambicana. 

Nascida a 10 de agosto de 1945, Josina Machel, natural do sul de Moçambique, da Província de Inhambane, teve a oportunidade de estudar desde criança, mas optou por ingressar na resistência, fugindo de Moçambique em 1964, durante o período de dominação colonial portuguesa. Esteve nas fileiras da Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, então sediada na Tanzânia. Envolveu-se em diferentes atividades na Zâmbia e na Suazilândia quando tinha cerca de 20 anos, e contribuiu para a formação de estudantes moçambicanos na Tanzânia. 

No entanto, em finais dos anos 1960, recusou uma bolsa de estudos para ir para a Suíça e voluntariou-se para o recém-criado destacamento feminino da FRELIMO, criado, em 1967, por Samora Machel, seu futuro marido e primeiro presidente de um Moçambique independente. No destacamento de mulheres sediado na cidade de Nachingwea, na Tanzânia, recebeu formação política e militar para a luta de libertação nacional. Em 1968 trabalhou na defesa e organização de populações de áreas libertadas. Nesse mesmo ano tornou-se delegada do Segundo Congresso da FRELIMO e reivindicou a inclusão total de mulheres em todos os aspetos da luta de libertação. Assumiu a chefia da Seção de Mulheres no Departamento de Relações Internacionais do movimento e no Departamento de Assuntos Sociais. Em 1969, aos vinte e quatro anos, casou-se com Samora Machel, com quem teve um filho, mas no ano seguinte foi diagnosticada com um cancro no fígado que a levou à sua morte aos vinte e seis anos de idade. 

 

Alda Espírito Santo: escritora, movimento estudantil, política (São Tomé e Príncipe)

 

Alda Neves da Graça Espírito Santo, figura pública e poeta santomense. Nasceu a 30 de abril de 1926, frequentou a escola primária em São Tomé, mas fez o ensino secundário, em Portugal, na cidade do Porto (1948).

 Formou-se, em Lisboa, para lecionar no ensino primário, ocasião em que se juntou à Casa dos Estudantes do Império, uma associação de estudantes das colónias portuguesas. Aí conheceu muitos dos futuros líderes nacionalistas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique. Foi uma das fundadoras, em Lisboa, da associação cultural Centro de Estudos Africanos (1951).

Alda da Espírito Santo regressou a São Tomé enquanto professora e juntou-se ao advogado Palma Carlos nas investigações sobre as atrocidades cometidas pelas autoridades coloniais durante o massacre de Batepá a 3 de fevereiro de 1953, que resultaram em centenas de mortes. Em 1965, Alda foi presa em Lisboa por incentivo à revolta no arquipélago.

A 19 de setembro de 1974, liderou um grupo de mulheres vestidas de preto em uma manifestação em frente ao palácio do governo contra suspeitas de envenenamento da água e do sal pelos portugueses. Depois da independência, essa data foi declarada Dia Internacional da Mulher.

Alda Espírito Santo escreveu o hino nacional de São Tomé, “Independência Total”. Na organização do país, após a emancipação, tornou-se Ministra da Educação e Cultura do governo de transição, foi presidenta da Assembleia Popular Nacional (1980-1990), e desde 1987 até à sua morte, em 2010, presidiu a União de Escritores e Artistas de  São Tomé e Príncipe (UNEAS).

Como poeta, publicou em diversas antologias, e é autora dos livros É nosso o solo sagrado da terra (1978), Mataram o Rio da Minha Cidade (2002) e A poesia e a vida (2006). 

Os exemplos de Deolinda Rodrigues, Josefina Chantre, Titina Silá, Josina Machel e Alda Espírito Santo, mostram-nos que desde estar na linha da frente da luta armada, a criar associações culturais, socias ou estudantis, a organizar protestos, assumir cargos de diplomacia, as mulheres foram e continuam a ser elementos-chave para as lutas de libertação, que ainda persistem a vários níveis. Mas apesar de muitas promessas ainda por cumprir, o caminho para o 25 de abril também foi trilhado por estas mulheres.

 

 

 

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