A artista Grada Kilomba foi distinguida com o título de Doutora Honoris Causa pelo ISPA – Instituto Universitário em Lisboa. A cerimónia de concessão ocorreu na última sexta-feira, em um evento aberto ao público em geral.
Grada Kilomba é uma artista e psicanalista que se destaca internacionalmente pelo seu trabalho na exploração de “questões de memória, trauma, género e pós-colonialismo”. É ainda a autora do aclamado livro “Memórias da Plantação” e a sua obra destaca-se pela habilidade de criar um espaço híbrido onde as fronteiras entre as linguagens académicas e artísticas se confundem.
A aluna nº 6072 no ISPA, formada em Psicologia Clínica e Psicanálise, realizou trabalhos que vão desde a escrita até a performance, passando por instalações de vídeo e leitura encenada dos seus textos. Segundo Teresa Garcia-Marques, madrinha e Presidente do Conselho Científico do ISPA, a cerimónia de concessão do título de Doutora Honoris Causa é uma homenagem ao trabalho de mérito produzido por Grada Kilomba, que contribui para a luta contra o racismo e a discriminação.
Durante a cerimónia, a artista destacou a importância de sermos criativos para pensar num mundo maior e de desmantelar as estruturas que desenham quem pode representar a condição humana. A artista também chamou atenção para o desfasamento de tempo em Portugal e a importância de chegar ao presente em discussões sobre raça e género.
Não levamos em conta a influência da cultura colonialista. Não é por Portugal ter tido colónias, mas sim pelo mundo achar que tinha o direito de colonizar outros lugares. Essa ideia de desenvolvermos esse direito de colonizar e impor uma determinada maneira de viver e ver o mundo é passada de geração em geração e molda nosso comportamento em todas as esferas que funcionamos.
Teresa Garcia-Marques
Foi apenas em 2017 que Grada Kilomba apresentou o seu trabalho pela primeira vez em Portugal nas Galerias Municipais, colocando questões acerca da legitimidade do lugar de fala — “Que histórias são contadas? Como é que são contadas? Onde são contadas? E contadas por quem?” — uma prática recorrente nas suas instalações artísticas.
O reconhecimento académico
Teresa Garcia-Marques, em entrevista à Afrolis, afirmou que a escolha de Grada Kilomba como homenageada deve-se à sua contribuição social, académica e artística, que segue os mesmos princípios e valores do instituto, que celebra em 2023, sessenta anos. “Apesar da sua linguagem psicanalítica, o seu trabalho tem um eco enorme, dentro de todos os estudos que nós fazemos dentro destas áreas de racismo e discriminação, preconceito, relações intergrupais e violências.”
Os trabalhos com caráter psicanalítico da artista são relevantes para muitas pessoas que trabalham em outras áreas científicas, confirmou a professora de psicologia social. “Estudamos muito a ideia de estereótipos, que consiste em categorizar as pessoas com base em pressupostos prévios que temos na nossa mente. Isso é um problema político, pois a nossa mente funciona dessa maneira, fazendo diferenças que não são legítimas. Isso aplica-se a diferentes características das pessoas, como cor de pele, género, profissão e outras áreas.”
O estudo do desenvolvimento desses estereótipos, não leva em conta o facto de as categorizações terem consequências no nosso comportamento, algo que a Presidente do Conselho Científico do Ispa diz apenas se ter apercebido após conhecer o trabalho de Grada Kilomba. “Não levamos em conta a influência da cultura colonialista. Não é por Portugal ter tido colónias, mas sim pelo mundo achar que tinha o direito de colonizar outros lugares. Essa ideia de desenvolvermos esse direito de colonizar e impor uma determinada maneira de viver e ver o mundo é passada de geração em geração e molda nosso comportamento em todas as esferas que funcionamos.”
E, como defende Teresa Garcia-Marques, Grada Kilomba chama atenção para isso e mostra como é importante termos alguém que vive essas situações e tem a capacidade de expressar-se sobre elas. “Esse intercâmbio entre sociedade, cultura, arte e ciência enriquece a todos nós e a ciência em geral.”
A concessão do título de Doutora Honoris Causa ao ISPA reconhece o trabalho de mérito de Grada Kilomba e destaca a importância do seu trabalho na luta contra o racismo e a discriminação. A obra da artista é um exemplo de como a arte pode ser usada para levantar questões importantes e promover mudanças sociais, tal como elucidou Teresa Garcia-Marques.