A luta pela sobrevivência das vendedoras ambulantes

As mulheres negras vendedoras ambulantes têm uma vida difícil e muitas vezes invisibilizada enfrentando diversas barreiras sociais, económicas e culturais que dificultam o  acesso a empregos formais e dignos.

Em Portugal, as mulheres negras vendedoras ambulantes têm uma longa história de luta e resistência de vários séculos. Trabalham na venda de produtos alimentares, como por exemplo, frutas, legumes e sumos do seus países de origem. Ao migrarem para Europa, trazem com elas esta prática da venda nas ruas dos bairros, nas praças e nas estações dos comboios das cidades portuguesas. Estas mulheres são vistas como uma ameaça ao comércio estabelecido e enfrentam a hostilidade da polícia, que muitas vezes as trata com violência.

Na Guiné-Bissau, as vendedoras de rua são conhecidas como “mindjeris bideiras”. Trabalham, na maioria das vezes, em mercados informais onde vendem os alimentos frescos, os quais compram de madrugada nos mercados atacadistas da cidade que, em seguida, transportam para os seus pontos de venda. São esforços incansáveis que as vendedoras de rua superam para conseguir sustentar as suas famílias e garantir que os seus filhos recebam uma educação adequada.

As mulheres vendedoras ambulantes sofrem de violência por parte das autoridades. Foto: Aissato Só

Em Angola, estas mulheres são conhecidas como “zungueiras”. São uma marca histórica da cidade de Luanda sendo, por isso, facilmente encontradas nas ruas deste país africano a vender  uma ampla variedade de produtos, incluindo roupas, calçados, acessórios, alimentos e bebidas. Mas apesar de  contribuirem para economia informal do país, as mulheres zungueiras são várias vezes subjugadas a atos de violência por parte dos fiscais e dos agentes da polícia.

Mas esta violência não fica apenas por aqui. Também na Europa, as mulheres vendedoras de rua enfrentam discriminação e racismo por parte da sociedade, sendo frequentemente marginalizadas e excluídas do mercado de trabalho formal, o que as leva a se dedicar ao trabalho informal, como a venda ambulante. Na Baixa Pombalina da cidade lisboeta, na Praça do Rossio, é fácil assistir episódios entre a polícia municipal e as mulheres vendedoras de rua.  Os episódios de violência são recorrentes nesta zona da cidade.

A maioria destas mulheres é imigrante, vinda dos países africanos de língua portuguesa como Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Chegam a Portugal em busca de melhores condições de vida, mas muitas vezes enfrentam uma realidade diferente daquela que imaginavam.

Em Portugal existem 7.000 vendedores ambulantes de acordo com o Relatório Anual de Imigração, Fronteiras e Asilo de 2020. Foto: Aissato Só

As vendedoras ambulantes em Portugal são uma realidade presente há muitas décadas nas cidades e vilas do país. Estas mulheres, que percorrem as ruas a oferecer os seus produtos, são mães solteiras ou mulheres que não têm outra opção de trabalho para se sustentar a si mesmas e as suas famílias. Este é o caso da vendedora da Praça do Rossio Cadi Sané (Bideira), que viu o seu saco de encomendas de produtos alimentares acabado de chegar de Bissau, ser levado para o caixote de lixo pela Polícia Municipal de Lisboa.  Segundo informa, a a vendedora sabe que não é autorizada a vender ali mas é a uma das maneiras que encontrou para se auto sustentar.

Eu já não tenho idade e forças para fazer trabalhos pesados e muito menos trabalhar muitas horas, então vender nas ruas é a opção que me resta      

Cadi Sané está a viver há oito anos em Portugal por motivos de saúde, e agora vê-se obrigada a arranjar um emprego depois de ficar viúva. Por motivos de saúde está impossibilitada de o fazer.  “A ajuda que recebo da parte das autoridades não é suficiente para o sustento e senti-me obrigada a voltar à vida da Bideira para conseguir suportar algumas despesas de casa”, lamenta.

Mariazinha (nome fictício), uma das vendedoras cabo-verdianas da estação do comboio de Cacém, também partilha a mesma história, acrescentando ainda que não entende o porquê de o Estado ou as autoridades, que são encarregados de resolver estas situações, não as legaliza como outras vendedoras de barracas que têm licença para praticarem as suas atividades.

Cadi explica ainda que a Polícia Municipal já lhe multou várias vezes por estar a vender ali na Praça do Rossio, mas que nunca chegou a pagar porque não tinha dinheiro. “Eu sinto-me como um guia turístico da cidade a vender produtos na Praça do Rossio, porque não são só os nacionais que compram os meus produtos, os turistas também compram, e eu tenho que explicar o que são e quais são os nomes tradicionais dos produtos”, acrescenta.

Mariazinha afirma que vender estes produtos típicos da sua terra natal, não é só uma forma de se auto sustentar, mas que “de certa forma estão a ajudar as instituições portugueesas a se livrarem de mais uma pessoa nas suas costas”. “Eu já não tenho idade e forças para fazer trabalhos pesados e muito menos trabalhar muitas horas, então vender nas ruas é a opção que me resta”.        

“Muitas mulheres negras vendedoras ambulantes em Portugal trabalham longas horas e enfrentam condições precárias, sem acesso a serviços básicos como saúde e educação e às vezes vivemos em bairros periféricos, onde enfrentamos problemas de habitação e falta de acesso a serviços públicos”, explica Cadi à Afrolis.

As vendedoras ambulantes oferecem uma variedade de produtos, desde cuscuz de milho feito no binde, quiabos da Guiné, torresma de porco, semente de caju torrado entre outros. Elas trabalham em grupos, o que as torna numa comunidade unida e solidária, que se apoia mutuamente em momentos difíceis.

São vários os tipos de produtos vendidos por estas mulheres na cidade de Lisboa. Foto: Aissato Só

Apesar dos desafios, muitas vendedoras ambulantes são apaixonadas pelo seu trabalho e pela oportunidade de conhecer novas pessoas todos os dias. Muitas delas têm clientes fiéis que as seguem por anos, e muitas vezes acabam por formar laços de amizade.

De acordo com o Relatório Anual de Imigração, Fronteiras e Asilo de 2020, publicado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), existem cerca de 7.000 vendedores ambulantes em Portugal, a maioria dos quais são imigrantes. Embora não haja dados específicos sobre mulheres negras vendedoras ambulantes, sabe-se que as mulheres são uma minoria entre os vendedores ambulantes em geral, o que indica que as mulheres negras são ainda mais marginalizadas nessa profissão.

É primordial que a sociedade e as autoridades encontrem maneiras de apoiar essas mulheres e ajudá-las a encontrar alternativas de trabalho mais estáveis e seguras.

Algumas organizações têm trabalhado para dar visibilidade a essas mulheres, por exemplo, o mercado Afrolink organizado para validar as estratégias comerciais, a Associação Lusofonia Cultura e Cidadania, que é uma organização de apoio às mulheres imigrantes em Portugal, oferecendo apoio jurídico, psicológico e social. Outro exemplo é a Associação dos Cavaleiros de São Brás em Amadora, que também luta pela regularização das mulheres imigrantes e pelo fim da violência policial as vendedoras. No entanto, as vendedoras ambulantes vindas de países africanos desempenham um papel importante na economia informal em Portugal. Estas mulheres merecem respeito e reconhecimento por seu trabalho árduo e determinação, e devem ser tratadas com dignidade e justiça pelas autoridades locais e pela sociedade em geral.

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