Assuntos de Mulheres nos Media em Moçambique com Jacinta Nhamitambo

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio, entrevistamos Jacinta Nhamitambo, editora e chefe da redação central da Rádio Moçambique. Licenciada em Direito e pós-graduada em Ciências Jurídico-Políticas, trabalha há 27 anos como jornalista e, em entrevista, fala-nos enquanto presidente da Associação da Mulher na Comunicação Social (AMCS), sobre a importância da participação das mulheres nas várias áreas de intervenção dos media

Carla Fernandes [CF]: Olá, Jacinta Nhamitambo. Em primeiro lugar, gostaria que nos apresentasse a Associação da Mulher na Comunicação e explicasse o seu propósito.

Jacinta Nhamitambo [JN]: A Associação da Mulher na Comunicação Social (AMCS) é uma associação de mulheres que trabalham em diversos órgãos de comunicação social em Moçambique. O nosso foco é, essencialmente, formar as mulheres que estão a trabalhar na comunicação social porque essas mesmas mulheres têm o papel de informar e educar a sociedade, particularmente a mulher.

 

CF: E como fazem isso na prática?

JN: Fazemos isso a partir dos órgãos onde trabalhamos, onde cada uma quando exerce a sua função, para além de ser aquela pessoa que recolhe a informação para informar, para divulgar, ela própria é um espelho para inspirar as raparigas a abraçarem a área da comunicação social. Nós temos relatos de que nas redações as mulheres não ficam, pelo papel que têm como mães, pelo papel que têm como esposas. Então nós que fazemos parte temos esta missão de provar à sociedade que a mulher jornalista ou a mulher que trabalha para um órgão da comunicação social, também ela é igual a qualquer outra que está inserida em qualquer área de atuação. Nós provamos isso com aquilo que é a nossa experiência, com aquilo que é o nosso trabalho. 

 

CF: A Associação da Mulher na Comunicação Social também desenvolve ações de formação em diferentes regiões do país. Como funciona esta iniciativa?

JN: Sim. A nossa associação é de âmbito nacional e trabalhamos em todas as províncias. Temos AMCS em todas as províncias e cada uma encarrega-se de fazer atividades e, quando temos condições, promovemos formações regionais e para podermos partilhar experiências de como cada uma trabalha na sua província. Essa é uma atividade que, por exemplo, nestes últimos anos não temos vindo a fazer porque não temos condições financeiras, claro, porque exige irmos a um retiro, deslocação, tema, oradores… Agora estamos a pensar, por causa das eleições, tentar voltar a fazer essas eleições estes meios, como estamos a fazer agora. Usamos o Zoom e outras facilidades para podermos comunicar mesmo estando distantes umas das outras porque já percebemos que enquanto esperamos pelo financiamento para nos encontrarmos fisicamente, o tempo vai passando e muita coisa perde-se. Estamos a pensar trabalhar nestes moldes.

CF: Moçambique vai ter eleições autárquicas este ano, que serão em outubro de 2023. Momentos como este, momentos eleitorais, são importantes para a atuação de jornalistas a nível nacional. A AMCS vê a cobertura de eleições como uma oportunidade para fomentar a formação de jornalistas?

JN: É nesse âmbito que estamos a tentar buscar alguns parceiros para ver se podem apostar na formação das mulheres jornalistas. Porque, por exemplo, os órgãos eleitorais têm promovido formações para jornalistas, mas o que é que acontece? Neste tipo de formações eles pedem aos órgãos de comunicação social para apresentarem um certo número de jornalistas. Aí não tem “queremos mulheres” ou queremos “uma mulher e um homem”. Eles dizem “queremos dois nomes” e se os dois nomes forem de homens, eles não podem dizer não.

 

CF: E porque é que não apresentam nomes de mulheres?

JN: Apresentam. Só que, já sabe, que alguns órgãos não têm mulheres. São privados, por exemplo, e não têm mulheres. Ou se têm uma mulher, consideram que nesse caso específico, essa é uma atividade que o homem é o primeiro a fazer, a mulher pode ir mais tarde. Então, a mulher sempre fica em desvantagem. É diferente de quando trabalhamos, por exemplo, com o sindicato de jornalistas, ou quando trabalhamos com o MISA [Media Institute of Southern Africa], que é uma organização que lida com os jornalistas, aí nós exigimos: “Olha, estamos a pedir que esta formação tenha metade homens, metade mulheres”. Aí eles já fazem o pedido aos órgãos especificando que nestes dois um é homem e outro é mulher. É por isso que dizemos que não vamos esperar para pedir estas cotas de metade metade. Vamos tentar bater portas a ver se conseguimos parceiros que possam financiar a formação apenas de mulheres jornalistas. Porque eu sei o papel que temos neste processo. Primeiro, porque em Moçambique a mulher é a maioria da população; segundo, sem avançar com números específicos, posso dizer que em todos os processos eleitorais, o maior número de eleitores é de mulheres. Então, elas apenas são usadas para votar num certo candidato, mas não sabem qual é o papel delas, não sabem os benefícios deste voto. E nós achamos que chegou o momento de nós dizermos à mulher “vai votar, mas consciente de que tu tens os teus direitos. O dever é votar, mas tu tens de exigir os teus direitos”. Então estamos a tentar ver se conseguimos fazer isso para incentivar as mulheres a irem exercer o seu direito de voto, conscientes daquilo que vão fazer e daquilo que elas podem exigir. Então, é nesta vertente que queremos buscar parcerias para a formação de mulheres com este objetivo. 

 

CF: E que parceiros têm ponderado abordar?

JN: Estamos a tentar com o sindicato de jornalistas ver se conseguimos formações conjuntas, onde na formação temos uma componente de género para recordar a importância do género na comunicação social. 

CF: Em que sentido a importância do género na comunicação social? Mais nas profissionais que exercem ou também nas histórias que são retratadas? 

JN: Também nas histórias. Porque para além de incentivarmos as mulheres a participarem, também fazemos questão de as próprias mulheres e homens formados olharem para a mulher eleitora, por exemplo. É que quando eles vão a uma mesa fazer uma entrevista, eles têm que entrevistar dois homens, mas porquê não entrevistar três mulheres, ou duas mulheres? Para haver paridade nas fontes. Porque muitas vezes quando as pessoas vão fazer o trabalho das eleições, chegam lá e dizem “perguntei a três eleitores” dos quais três são homens. Quando é a mulher que mais vota. Então nós estamos a tentar trazer esta necessidade de também olharem para a mulher como uma fonte de informação. É para este fim que nós estamos a tentar buscar financiamento. 

 

CF: Um dos projetos da AMCS é uma rádio comunitária, a Rádio Comunitária Muthiyana, que neste momento não está a funcionar, mas gostaria de saber mais, como começou, onde funcionou até chegar a este ponto de interregno. 

JN: Começou em 2002. A rádio começou porque nós, quando criámos a organização, a ideia era incentivar as mulheres a abraçarem a área da comunicação social e também fazermos campanhas para incentivar as mulheres ao empreendedorismo. Porque em 1998, quando apareceu este bichinho [forma afetuosa de se referir à AMCS], havia aquelas desigualdades de salários, muitas mulheres recebiam apenas pelos artigos que recebiam, havia essa disparidade de tratamento, as mulheres serviam para cobrir assuntos sociais, os homens é que iam para assuntos políticos ou grandes eventos. Então, o grupo de mulheres que decidiu criar esta organização disse: “Não! Vamos pôr um ponto final e basta, porque nós somos capazes.” E quando esta semente foi rebentando, viu-se a necessidade de se criar uma rádio para fazer pressão, para podermos dizer “estamos aqui, queremos mais!”.
A rádio funcionou, lembro-me que foram criados 17 clubes de escuta, nos distritos de Maputo, cidade e província de Maputo.

 

CF: E o que eram os clubes de escuta?

JC: O clube de escuta era… Nós tínhamos gravadores e íamos a uma certa comunidade. Chegávamos lá e dizíamos “somos da comunicação social e vamos fazer um pequeno debate para discutirmos o tema, por exemplo, da violência doméstica.” Lá entrevistávamos mulheres, líderes comunitários, estudantes, aquelas pessoas com quem podíamos trabalhar. Então, fazíamos o debate e as mulheres diziam o que achavam da violência naquela comunidade com experiências, testemunhos. E nós com aquelas gravações, voltávamos à rádio e transmitíamos. E assim, a história, por exemplo de um certo bairro era conhecida em toda a província.  Foi assim que conseguimos formar esse número de clubes porque as pessoas em outras comunidades diziam “E nós queremos falar sobre este assunto”.

 

CF: É uma rádio completamente virada para assuntos de mulheres?

JC: De facto, a nossa rádio estava virada 100% para os assuntos das mulheres, sem descorar os homens, porque nós também fazíamos conteúdos a incentivar os homens a respeitarem os direitos das mulheres.

 

CF: A Jacinta dizia na sua intervenção no programa Africanamente, em que participou também a jornalista angolana Luzia Moniz, que as sociedades africanas para se valorizarem devem observar o facto de serem compostas por um tecido urbano e um tecido rural, e que a Associação da Mulher na Comunicação Social tem um interesse em trabalhar com o meio rural.  

JN: Sim, porque a mulher é influenciada pelo meio rural e suas tradições. Quando a mulher rural quer tentar e elevar as suas capacidades é a comunidade que a puxa para trás. Nós neste momento estamos preocupadas em fazer este trabalho [formação jornalística] nas zonas rurais, porque é lá que sentimos que precisamos de incentivar a mulher. Este para nós é o grande desafio: trabalhar com as mulheres nas zonas rurais.

CF: Vários estudos indicam que a nível mundial a grande maioria dos órgãos de comunicação não tem mulheres em posições de liderança. O caso de Moçambique não será diferente, mas descreva-me o panorama do seu país.

JN: Sem dúvida. E digo que, neste momento, por exemplo, na Rádio Moçambique, eu digo que a rádio está minimamente… porque já temos algumas mulheres em postos de liderança. Eu falo mesmo do meu exemplo, porque nós somos chefes da redação central, somos duas mulheres chefes de redação central, e temos dois homens na redação central. Há paridade, pelo menos nesse setor. E não só, já temos nos nossos vários emissores e em várias direções mulheres. Por exemplo, mesmo no nosso conselho de administração que recentemente tomou posse este ano, a renovação foi muito boa. Antes tínhamos apenas uma mulher, uma administradora, agora temos duas. Então temos dois administradores, duas administradoras e isso para nós já é um símbolo de que já há a valorização da mulher. Mas este cenário já não se reflete nos outros órgãos privados. O dono do jornal é homem, o chefe do jornal é homem e tens lá uma mulher apenas como jornalista. Está lá a trabalhar apenas para contribuir para o jornal, mas ainda há muito por ser feito para vermos mulheres na liderança nos outros órgãos da comunicação social.

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