IV Encontro de Cultura Visual: Debate sobre reparações históricas no Porto

Nos dias 23 e 24 de junho, no Teatro Mala Voadora, no Porto, o IV Encontro de Cultura Visual vai dedicar-se ao tema das reparações históricas em Portugal. Organizado por Ana Cristina Pereira (conhecida como Kitty Furtado) e Inês Beleza Barreiros, coordenadoras do Grupo de Cultura Visual da SOPCOM – Associação Portuguesa para as Ciências da Comunicação, o evento contará com a participação da politóloga, historiadora e ativista Françoise Vergès, que fará a conferência inaugural intitulada “Imaginando um pós-museu”. O objetivo do encontro é reunir investigadores, artistas e ativistas para refletir sobre a reparação do mundo em que vivemos, buscando uma perspetiva de “contravisualidade”. Serão discutidos temas como reparações históricas em Portugal, como pedidos de desculpa pelo colonialismo e escravidão, políticas afirmativas, revisão das narrativas históricas, devolução de objetos saqueados, descolonização do espaço público, recuperação de paisagens e apoio às comunidades afetadas pelo extrativismo, perdão de dívidas odiosas e pagamento de indemnizações.

Este encontro também será a base teórica e conceitual para a Oficina de Reparações, que ocorrerá entre os dias 26 de junho e 6 de julho, também no Mala Voadora. A residência artística terá como objetivo criar uma obra de arte que será apresentada ao público nos dias 7 e 8 de julho. Com curadoria de Kitty Furtado e Inês Beleza Barreiros, a residência contará com a participação de Aline Frazão  (música e compositora), Apolo de Carvalho (investigador, poeta e ativista), Gessica Borges (comunicadora e investigadora), Marta Lança (investigadora e editora do Buala), Sara Henriques (atriz e performer) e Vanessa Fernandes (artista e cineasta). Também serão realizados dois workshops durante a residência: “Modo Operativo AND-Investigação em Arte-Pensamento & Políticas da Convivência”, ministrado por Fernanda Eugénio no dia 27 de junho, e “Reparação do Sensível”, sobre práticas de conexão e sensibilidade relacionadas ao pensamento ecológico, ministrado por Margarida Mendes, no dia 28 de junho.

Verifique o programa completo em baixo:

DIA 23, SEXTA-FEIRA

9:30 – Receção

10:30 – Imagining a Post-Museum, Françoise Vergès 

In Program of Absolute Disorder (March 2023) Françoise Vergès argues that the decolonization of the Western Museum is impossible, and the question is no longer to reform or transform that institution but to turn our back to its model. She proposes to reflect on a “post-museum”, keeping the term “museum” to acknowledge the desire for a space of transmission that bears this name but starts from the following questions: what will “preservation”, “conservation”, mean in that space? What will be the place of visuality, of the “object” and what will be called an “object”? What architecture?

Françoise Vergès é politóloga, historiadora e ativista. Doutorada em Teoria Política pela Universidade da Califórnia – Berkeley (1995), a sua tese de doutoramento Monsters and Revolutionaries: Colonial Family Romance and Métissage foi publicada pela Duke University Press (1999). Lecionou na Sussex University e no Goldsmiths College. De 2009 a 2012, presidiu ao comité nacional francês de preservação da memória e da história da Escravatura. Trabalha regularmente com artistas, tendo sido coautora dos documentários Aimé Césaire face aux révoltes du monde (2012) e Maryse Condé: une voix singulière (2011), e consultora curatorial da Documenta 11 (2002) e da Paris Triennale (2012). Organizou as exposições L’Esclave au Louvre: une Humanité Invisible (2013) e Dix Femmes Puissantes (2013) e Haiti, Medo dos Opressores, Esperança dos Oprimidos (2014), no Mémorial de l’Abolition de l’Esclavage, em Nantes. É autora de várias obras e ensaios, como Abolir l’Esclavage. Une Utopie Coloniale, les Ambiguïtés d’une Politique Humanitaire (2001), La Mémoire Enchaînée. Questions sur l’Esclavage (2006), Nègre, je suis, Nègre je resterai: Entretiens avec Aimé Césaire (2007), Le Ventre des Femmes: Capitalisme, Racialisation, Féminisme (2017), Un Féminisme Décolonial (2019) e Programme de Désordre Absolue: Décolonizer le Musée (2023).

11:30 – Pausa para café

12:00 – Mesa-redonda: Reparações e Cultura Visual moderação: Inês Beleza Barreiros

1.Que políticas para que reparações em Portugal?, Pedro Schacht

Como o próprio manifesto deste evento sustenta, na esteira de Achille Mbembe, reparar a brutalidade da violência colonial histórica é impossível, dada a magnitude que assumiu no processo de construção daquilo a que se chamou a Modernidade. No entanto, é não apenas possível como urgente e necessário interromper e inverter a violência que, no período pós-colonial, continua a exercer-se sobre os descendentes das populações escravizadas e colonizadas, e sobre o tecido social entendido na sua globalidade. Nesta intervenção examinarei exemplos específicos de iniciativas (o inventário de património proveniente dos territórios ocupados por Portugal em África, promovido pelo Ministério da Cultura, a censura a uma exposição de Dori Nigro e Paulo Pinto sobre o legado escravocrata do Conde de Ferreira, a recém-noticiada iniciativa de monumentalização do Padrão dos Descobrimentos em Lisboa) que têm sido recentemente promovidas em Portugal por instituições privadas e públicas e que, em contraciclo com o que se passa noutros países europeus, procuram blindar a sociedade portuguesa contra a possibilidade da reparação histórica, cimentando uma política revanchista que não segue processos democráticos e transparentes. Discutirei brevemente alguns exemplos de iniciativas que facilmente poderiam ser implementadas no sentido de promover a reparação, e cujo próprio processo de implementação constituiria desde logo uma prática reparadora.

Pedro Schacht Pereira é professor associado de Estudos luso-Afro-Brasileiros e Ibéricos na Universidade Estadual do Ohio, nos EUA. Faz parte da equipa que criou, em 2012 e na mesma universidade, o programa de Doutoramento interdisciplinar em Estudos do Mundo de Língua Portuguesa. O seu trabalho científico debruça-se sobre a representação da negritude na literatura portuguesa, entre o ventriloquismo e autoria, nos sécs. XIX, XX e XXI, e outros temas relacionados com os legados coloniais na cultura portuguesa contemporânea. Tem publicado artigos sobre estes temas em revistas académicas nos EUA, Brasil e Portugal, e periodicamente intervém publicamente em jornais portugueses sobre matérias de racismo, colonialismo e democracia.

2. Djumbai Descolonial, Evalina Dias (Djass)

Djumbai Descolonial é um projeto piloto entre a Djass-Associação Afrodescendentes e Museu de História Natural e da Ciência onde são criados grupos de trabalho para a produção de uma nova narrativa e ressignificação do espólio etnográfico presente no Museu Etnográfico e Jardim Tropical: os “Djumbais Descoloniais”

O conceito de parte de uma prática social guineense (Guiné-Bissau) que se chama djumbai, que significa a reunião social e/ou comunitária para a discussão de assuntos de relevância de pessoas de uma determinada comunidade. No projeto adaptou-se o conceito para um djumbai focalizado no espólio museológico em análise crítica, com o objetivo de se originar uma contra narrativa descolonial, produzida pelos estudantes universitários africanos e afrodescendentes. (https://djass.pt/djumbai-descolonial/)

Evalina Gomes Dias é membro fundador e Presidente do Conselho da Djass – Associação de Afrodescendentes (http://djass.pt/), uma associação antirracista estabelecida em maio de 2016 que luta pelos direitos de pessoas negras, africanas e afrodescendentes em Portugal. Em nome da associação, ela foi responsável pela apresentação de um projeto à Câmara Municipal de Lisboa (2017) para a implementação de um “Memorial em Tributo às Pessoas Escravizadas pelo Império Português” em Lisboa (https://www.memorialescravatura.com/). Ela possui mestrado em Estudos de Desenvolvimento pelo Instituto Universitário de Lisboa e graduação em Gestão e Administração Pública pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).

3. Restituição apenas com destituiçãoJoão Figueiredo

No início dos anos 50, a restituição a “África” de peças saqueadas por impérios europeus foi assumida como uma das bandeiras da empresa diamantífera Diamang. A par de introduzir a obra de Gilberto Freyre ao público português, José Osório de Oliveira, então porta-voz da diamantífera, foi responsável por institucionalizar um modelo de restituição e o regime discursivo subjacente que ainda nos acompanha. De acordo com Osório de Oliveira, a criação de instituições nos moldes europeus, aquilo a que hoje chamaríamos de transferência de capacidades, e o imperativo de cuidar do património africano não só justificavam a presença Portuguesa em Angola, como a brutal exploração de recursos naturais e mão-de-obra africana em condições de escravidão. Inspirando-me no conceito de destituição proposto pelo Invisible Committee (2017), e tendo em vista a preocupante virada conservadora marcada pelo relatório de Jean-Luc Martinez (2023), nesta intervenção proponho que apenas destituindo os museus e demais instituições responsáveis por esta forma predadora de restituir é que podemos caminhar no sentido emancipatório apontado pelo relatório Sarr/Savoy (2018).

João Figueiredo é investigador associado do Käte-Hamburger kolleg Einheit und Vielfalt im Recht [Unidade e Pluralismo em Direito] da Universidade de Münster. Doutorado em Altos Estudos em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, foi previamente investigador no projeto ‘Pluralismo Jurídico no Império Português (séculos XVIII a XX)’, e fellow na Universidade de Münster.

4. Debaixo do Tapete, Catarina Demony

A história da família de Catarina Demony não é única em Portugal, mas enfrentar essa história, que muitos gostariam que ficasse debaixo do tapete, e com ela fazer um documentário que a partir do passado esclavagista questiona a actualidade, já é algo único.Quando tinha aproximadamente 18 anos, Catarina descobriu que era descendente dos Matoso de Andrade e Câmara, que foram dos maiores comerciantes de pessoas escravizadas em Angola entre o século XVIII e XIX. (rfi, 06 de abril de 2023)

Catarina Demony nasceu em Lisboa em 1992, mas foi na vila algarvia de São Brás de Alportel onde cresceu. Com 16 anos foi viver para os Estados Unidos e depois para Londres, onde se licenciou em jornalismo na universidade de Kingston. Trabalhou em comunicação em várias ONGs, lançou um projeto para contar as histórias dos falantes de língua portuguesa na capital britânica, editou uma plataforma para jovens jornalistas e, mais tarde, tirou um mestrado em conflito global na Escócia. Começou por trabalhar em jornais no Reino Unido até se tornar a correspondente da agência internacional Reuters em Lisboa. Como correspondente, leva o que se passa em Portugal ao mundo e faz cobertura de diversos assuntos, desde a economia à política. É a produtora executiva de Debaixo do Tapete, um documentário sobre o envolvimento dos seus antepassados no tráfico de pessoas escravizadas no Atlântico e as consequências desse passado nos dias de hoje.

13:30 – Almoço

15:00 – Mesa 1: Reparar a narrativa histórica moderação: Isabel Macedo

1. Reparar a narrativa colonial francesa com a série de BD ‘Commando colonial’ de Appollo, Brüno & Laurence Croix: contributo para a reformulação dos objetos de estudo na unidade curricular Cultura Francesa, Marie-Manuelle da Silva

O objetivo desta proposta é refletir sobre a necessária reformulação das epistemologias e objetos de estudo do ensino-aprendizagem da Unidade Curricular normalmente designada por “Cultura Francesa” em contextos educativos onde o francês é língua estrangeira ou segunda (FLE/S). Nesse sentido, proponho explorar o potencial da série de 3 bandas desenhadas Commando colonial de Appollo, Brüno & Laurence Croix (2009, 2010 e 2013, Ed. Poisson Pilote) situadas em 1942, em Madagáscar (T.1, Opération Ironclad), na Ilha Europa no canal de Moçambique (T.2, Le loup gris de la Désolation) e no deserto argelino (T.3, Fort Thélème). Apesar de não reivindicar explicitamente nenhum tipo de reparação, o corpus constituído por estes três álbuns, parece-me em si um gesto reparador. Em primeiro lugar, porque os contextos geoculturais e o período político-histórico que lhe servem de pano de fundo permitem a problematização de uma história de/colonial muitas vezes escamoteada, comum a várias situações coloniais e formações (trans)imperiais. Além disso, as contra/narrativas contadas e mostradas no universo de ficção criado pelxs autorxs desconstroem perspectivas e discursos “oficiais”, desde dos “bastidores” da história, num projeto artístico que subverte códigos e topoi específicos do género popular da BD de aventuras e da banda desenhada colonial numa teia Intericônica onde se prendem imagens de “arquivos” e imaginários coloniais.

Marie-Manuelle da Silva é docente convidada no Departamento de Língua e Cultura (DLC) na Universidade de Aveiro e da na Escola de Letras e Artes e Ciências Humanas (ELACH) da Universidade do Minho. Investigadora no Centro de Línguas e Culturas da U. Aveiro (membro do Projeto Indústrias de Cultura e Cultura de Massas) e no centro de Estudos Humanísticos (CEHUM) da U. do Minho (membro do Grupo de Investigação GAPS Género, artes e estudos pós-coloniais). Colabora com o grupo LIMIER (Littératie Illustrée : Médiathèque, Interventions en Éducation et Recherche) na Universidade do Québec, Canadá. Doutorada em Ciências da Cultura – Culturas francófonas (U. do Minho) e em Didática das Línguas, textos e Culturas (U. La Sorbonne Nouvelle, Paris 3) desde 2013. Os seus interesses de investigação prendem-se principalmente com os Estudos Culturais, Pós-coloniais e Francófonos, Estudos em Banda Desenhada e com a Didática das Línguas, Culturas e Literaturas.

2. Emaranhar a Timeline para des-linearizar a História: Reflexões a volta do projecto ‘Para uma Timeline a Haver. Genealogias da dança enquanto prática artística em Portugal’ , Laura Rozas Letelier

Esta comunicação parte da minha investigação em torno do projeto Para uma Timeline da Dança a Haver. Genealogias da dança enquanto prática artística em Portugal, na qual indaguei as “Formas Coreográficas de Reflexão Histórica” (Wehren, 2016). Situada no terreno da exposição como investigação a Timeline (desde 2017) inscreve-se simultaneamente como dispositivo expositivo e de pesquisa coletiva. Trata-se de, a cada edição, escolher qual a investigação a aprofundar e como a expor, de modo a instigar interrogações futuras, desvelando pontos omissos. A Timeline opera igualmente como um dispositivo performativo: percorre-se literalmente a história com o corpo caminhando ao longo de cada exposição, operando também com uma forma incorporada e afetiva de arquivo e história.

Uma iniciativa que começou por tentar mapear o estado da arte da dança em Portugal no século XX e XXI, mas que acaba por torna-se uma ferramenta de reparação coletiva, sendo que o intuito de reparação das políticas temporais é também uma reparação dos corpos apagados da história linear. Assim, a proposta é a de olhar para o projeto como um espaço potencial de reparação e de contestação da narrativa histórica linear e da coreografia enquanto “apparatus of capture” (Lepecki, 2007). E, desta forma, contestar a invisibilização dos corpos enterrados da história, desvelando o potencial destas “matérias-fantasma”, enquanto “corpos impropriamente enterrados da história” (Gordon em Lepecki, 2013:114).

A utilização do dispositivo visual da linha temporal e o seu “emaranhamento” nas sucessivas edições do projeto por meio de estratégias como o diagrama e o Atlas, o pensamento rizomático e as genealogias, desdobram a linha progressiva e linear para apresentar um pensamento que permite, seguindo o convite do artista Nolan Oswald Dennis (2021), “olhar no reverso das coisas” e, no seu reverso e nos usos coletivos destas ferramentas, encontrar algumas respostas para “desgovernar” o dispositivo da temporalidade linear. Em consequência, ler a Timeline como ferramenta para combater uma discursividade da invisibilização de certos corpos (racializados, femininos, queers, cosmopolitas, etc) e do apagamento das suas histórias.

Mediante a utilização deste dispositivo visual que exploro como crono-coreo-cartográfico, a Timeline congrega uma multiplicidade de gestos: de arquivo, de curadoria e de escrita. Estes gestos se tornam visíveis como coreográficos, com o potencial de questionar os dispositivos hegemónicos da história progressiva linear e da domiciliação do arquivo. Gestos em suspenso e inacabados, que implicam entender as posições e fazeres da história através de um dispositivo em continuum – “a haver”, assente na falta e na falha, e que remete para uma “História Potencial” (Azoulay, 2019). No foco da incompletude encontra-se a hipótese de rebobinar e de “ensaiar” a história numerosas vezes, desvelando um potencial de mudança. Nestes termos, abre-se a possibilidade de “potenciar a história”, ou seja, expandi-la: procurar nas falhas e na falta da história; não apenas para imaginar o futuro, mas para procurar (re-imaginar) passados possíveis, desmultiplicando o passado e impelindo à escrita.

Laura Rozas Letelier (Santiago de Chile) é licenciada em História (Pontificia Universidad Católica de Chile) e pós-graduada em Semiótica da Arte e Cultura (Universidad de Chile). Veio para Portugal em 2019 para realizar o Mestrado em Estudos de Teatro na Universidade de Lisboa, centrando a sua pesquisa de dissertação no projecto Para Uma Timeline a Haver: genealogias da dança como prática artística em Portugal. Trabalhou como investigadora em projetos de arquivo em Artes Performativas em conjunto com o Centro de Memória de las Artes Escénicas (CIM a/e) e no Centro de Residências NAVE (Santiago de Chile). Atualmente, é bolseira do projecto FCT “ARTHE. Arquivar o Teatro” pelo Centro de Estudos de Teatro (Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa).

3. Teresa de Benguela na Viradouro: memória, esquecimento e reparação, Heloisa Afonso Ariano

Em 1994, o carnavalesco Joãosinho Trinta da escola de samba Viradouro escolheu como tema de seu enredo, Teresa de Benguela, líder do quilombo Quariterê, edificado na altura do Rio Galera, próximo, portanto, à Vila Bela da Santíssima Trindade, Oeste de Mato Grosso, Brasil. Na época, a existência dessa liderança negra era de conhecimento restrito à alguns historiadores e pesquisadores. Em busca de construir a autenticidade de seu enredo, o carnavalesco vai a Vila Bela com uma equipe de especialistas conversar com a comunidade negra. Quatro mulheres foram selecionadas para compor o desfile representando diferentes fases da vida da líder quilombola. A partir de detalhes registrados em um documento histórico, os Anais da Câmara da então capital, toda uma alegoria foi criada para o enredo da Viradouro. Um desses destaques incidiu sobre a viola de cocho, desde sua suposta origem no Oriente, até um passado imaginário criado com base em características identificadas pelas forças de Luís Pinto de Souza Coutinho, o comandante da destruição do quilombo. Multietnicidade, abundância, democracia e apoio às artes foram alguns das qualidades atribuídas a Teresa de Benguela, mais ou menos ancorados nos registros históricos, sobre os quais se reinventou uma memória.

Em 2015 e 2016, durante o trabalho de campo na cidade, uma professora de ensino fundamental contou que, em Vila Bela, se desconhecia a existência de Teresa de Benguela até a chegada de Joãosinho Trinta. Esse fato é narrado com a consciência do inusitado que isso significa, dado que para o senso comum, haveria uma compreensão de que isso seria uma memória repassada pelos ancestrais.  Uma série de efeitos, provavelmente inesperados para o carnavalesco, dispararam-se como consequência disso na longínqua cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade e para além dali. Entre estes, a recuperação dessa memória para a comunidade negra de Vila Bela e sua inserção nas identificações locais: a comunidade negra incorporou entre suas identificações a representação de que são inclusivos de etnias distintas.

Teresa de Benguela no enredo da Viradouro significou ainda alçar uma liderança feminina negra no panteão das heroínas da resistência à escravidão, que alcançou o destaque de ter um dia celebrado nacionalmente, 25 de julho, como o dia de Teresa de Benguela e ainda Dia Internacional da Mulher Negra e da Mulher Negra Afro-latina e caribenha, reconhecido pela ONU. Possibilitou ainda a inserção da vila e daquela liderança quilombola num cenário mais amplo, aquele dos lugares de memória da resistência do movimento negro nacional. Essa nota etnográfica problematiza os caminhos da memória, do esquecimento e da reparação.

Heloísa Afonso Ariano é professora da Universidade Federal de Mato Grosso desde 1995. Doutora em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora do grupo Caleidoscópio de Estudos em Cultura Popular, Performance e Patrimônio. Atualmente em estágio pós-doutoral no Centro em Rede de Investigação em Antropologia pela Universidade Nova de Lisboa. Tem publicações nas temáticas do patrimônio, cultura popular, alimentação e festas.

4. ‘Taypis’ de imaginários racistas como estratégia de análise de narrativas sobre feminicídio no jornalismo, Nayara Luiza de Souza e Carlos Alberto de Carvalho

A opressão racial e sexual das mulheres negras brasileiras é, como defende GONZALEZ (2020), uma das heranças coloniais mais perceptíveis e mais denegadas no contexto do país. Um dos mitos responsáveis pelo apagamento da história da escravização no Brasil instituiu como história oficial que esta nação seria um paraíso racial. Contudo, ao recorrermos aos registros de feminicídio, violência íntima e abusos sexuais tem-se uma recorrência das mulheres negras como as mais vitimizadas. Dados da Anistia Internacional revelaram que 62% das vítimas de feminicídio no país no ano de 2022 eram mulheres negras (Amnesty International Report, 2022/2023). Em relação às mulheres negras da diáspora essas violências foram normalizadas, de acordo com Collins (2019), a partir das “imagens de controle” atribuídas a elas. Essas imagens apoiaram-se em discursos de racismo científico e sociológico, narrativas jornalísticas, ficcionais e acadêmicas para difundir imaginários opressores sobre mulheres negras. Gonzalez (2020, p. 82) identifica dinâmica semelhante no contexto brasileiro em que as mulheres negras passaram a ser resumidas em três categorias principais: “mulatas”, “domésticas” e “mães-pretas”. Todas essas aplicadas para difundir as lógicas de exploração sexual e social das negras no Brasil.

O “mito da democracia racial” (GONZALEZ, 2020, p. 54) se estende para as narrativas oficiais em diversos espaços de exercício de poder e produção de saber, como as narrativas jornalísticas. A fim de restituir a memória que atualiza essa narrativa de apagamentos propomos uma retificação de imaginários e a constatação “imagens de controle” (COLLINS, 2019, p.135) que pesam sobre os corpos negros a partir dos “taypis” de ver imaginários. A partir do conceito de Cusicanqui (2015) elaboramos um arquivo de 1017 narrativas jornalísticas sobre mulheres negras e crimes motivados por dinâmicas de gênero e, a partir dos textos audioverbovisuais divulgados pelos portais jornalísticos G1 e UOL, reorganizamos essas imagens para tornar visível a falácia de paraíso racial.

Cusicanqui (2015) descreve o taypi como um “mundo-do-meio” (CUSICANQUI, 2015, p.207) como um espaço intermediário onde é possível observar o contato entre formas opostas sem que os limites entre elas desapareçam. Essas zonas de contato, entretanto, podem ser permeadas por violência quando os opostos colocados em contato foram hierarquizados pelo contexto colonial como negrxs, indígenas e brancxs foram racializadxs no Brasil. O exercício de recortar, reposicionar e reaproximar essas imagens permite que as violências ocultadas pela versão colonial possam ser visibilizadas junto à adoção das “imagens de controle” (COLLINS, 2019) como lente de identificação de imaginários racistas.

Nayara Luiza de Souza é jornalista brasileira, nascida no interior de Minas Gerais. É mestra em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem desenvolvido pesquisas em relação a narrativas jornalísticas e midiáticas, imaginários racistas, gênero, raça e racialidade. Atuou por dois anos como jornalista voluntária no Portal Antirracista Notícia Preta e se dedica no momento a pesquisas afrodiaspóricas no contexto brasileiro.

Carlos Alberto de Carvalho é professor associado do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, na graduação e no programa de pós-graduação. Pesquisador sobre coberturas jornalísticas relativas ao HIV, Aids e homofobia, divulgação científica e relações de gênero. É o coordenador do Insurgente: Grupo de Pesquisa em Comunicação, Redes Textuais e Relações de Poder/Saber, com dezenas de artigos em periódicos, capítulos de livros e livros organizados, no Brasil e no exterior. Bolsista Produtividade CNPq – PQ 2.

16:30 – Pausa para café

17:00 – Mesa 2: Reparar o espaço público moderação: Teresa Flores

1. O duplo sentido da palavra reparar no projeto ‘Joaquim – O Conde de Ferreira e seu legado’, Nuno Coelho

Joaquim – O Conde de Ferreira e seu legado é um projeto de investigação científica e artística, em curso, formulado a partir da análise, exploração e interpretação da vida e obra de Joaquim Ferreira dos Santos, conhecido como Conde de Ferreira, e seu legado na contemporaneidade, com especial foco na sua dimensão patrimonial, material e económica. Os métodos de indagação usará processos qualitativos de investigação e de diálogo interdisciplinar – com contributos das áreas de História, Sociologia, Economia, Arquitetura, Design e Artes Visuais e Performativas – para entender e articular, no tempo presente, esta figura histórica da cidade do Porto.

De origens humildes, Joaquim emigrou para o Brasil em 1800 onde fez uma enorme fortuna como traficante de pessoas escravizadas. Quando faleceu, deixou toda a sua fortuna em benefício da sociedade portuguesa: 120 escolas primárias, um hospital para saúde mental, entre outras obras, foram construídas como vontade expressa no seu testamento. Atualmente, ele é amplamente considerado como “benemérito”. No entanto, a origem da sua fortuna é do desconhecimento geral pela mesma sociedade beneficiária.

O projeto Joaquim pretende fomentar a reflexão coletiva sobre esta figura histórica, permitindo a formulação de uma visão crítica sobre o passado coletivo e o tempo presente da sociedade portuguesa. O projeto materializa-se: na organização de um colóquio; na produção de uma exposição, complementada por um programa de duas conversas, duas visitas guiadas e uma oficina; na edição de um livro; no desenvolvimento de uma dissertação de mestrado; e em comunicações em congressos.

O projeto Joaquim permitirá trazer, para o debate académico e artístico contemporâneo, conceitos como branquitude, responsabilização, reparação, restituição, igualdade e justiça social. No entendimento deste projeto, é preciso primeiro reparar (dar atenção a) para, de seguida, reparar (restabelecer, compensar).

 Nuno Coelho (Univ Coimbra, CEIS20, DEI) é designer de comunicação, artista e curador, sediado no Porto; professor auxiliar nos cursos de Licenciatura e Mestrado em Design e Multimédia da Universidade de Coimbra; e investigador integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20) da mesma universidade. Doutorado em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra; Master em Design e Produção Gráfica pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona; e Licenciado em Design de Comunicação e Arte Gráfica pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Como investigador de design, tem interesse em história, cultura material, património, humanidades digitais, comunicação de ciência e representação e semiótica visuais. Tem explorado questões de identidade e memória através da exploração da política de produção de imagens e de arquivos de instituições e marcas comerciais históricas portuguesas. Como curador, tem organizado exposições e programas públicos. É autor de dois livros e editor de outros dois. www.uc.pt/go/nunocoelho

2. Feitas e desfeitas (d)as estátuas – reparar (n)o espaço público, por Ana Dinger

E se as estátuas falassem? E se, além do muito que dizem sem falar, tivessem voz e emitissem palavras, que palavras poderiam ser? O que diriam umas às outras? Imaginar essas conversas hipotéticas é parte do que Isabel Brison oferece nos seis capítulos de “Ditas e Desditas da Estatuária Lisbonense”.* Efabulando narrativas (contranarrativas) e imagens (contravisualidade), conta-nos histórias, (re)inventando trajectórias e possibilidades de futuro para as estátuas que habitam ou habitaram a cidade de Lisboa: as que persistem, mais ou menos intactas, mas também as que foram removidas, deslocadas, desfalcadas, desfeitas.

No início seu livro “Performative Monuments. The Rematerialization of Public Art”, Mechtild Widrich, cita o aforismo de Robert Musil, que traduzo livremente: “não há nada no mundo tão invisível como os monumentos”. Os monumentos, essas “máquinas autoritárias” (Widrich, ainda) de rememoração, de celebração, de luto, edificadas para tornarem algo (mais) visível, tornam-se muitas vezes, ao invés, parte do cenário irreparado (aquilo em que não se repara e aquilo que não se repara) da vida quotidiana. Mas, simultaneamente, e paradoxalmente, podem até exacerbar essa vocação primeira, funcionando como lugares de hipervisibilidade (e performatividade), marcos que são de ideologias divergentes, restos e rastos de eventos traumáticos, sintomas das assimetrias de poder que se inscrevem nos corpos.

O que esta comunicação propõe é que o trabalho de especulação de Isabel Brison pode ser entendido como exercício de “fabulação crítica” (Saidyia Hartman) ou “história potencial” (Ariella Aïsha Azoulay); como uma das respostas possíveis à pergunta de Achille Mbembe, “O que fazer com as estátuas e monumentos coloniais?”, ou como matéria para repensar (pensar outra vez, não necessariamente recusar) o repto de Gary Younge, de que “todas as estátuas devem cair”. E porque é de irreparado e irreparável que se trata, quando se fala das feitas e desfeitas das estátuas na esfera pública, e do seu futuro, feitas mais ou desfeitas todas ou algumas, será trazida à discussão a terminologia que tem vindo a ser elaborada pela artista a antropóloga Fernanda Eugenio, no desdobramento do Modo Operativo AND, sistema de  composição e improvisação e abordagem ética-estético-filosófica ao mundo, nomeadamente as três modalidades do reparar – re-parar/parar de novo, prestar atenção e cuidar  e as posições ante o irreparável.

 Ana Dinger dedica-se à investigação, artística e académica, cruzando e complicando fronteiras disciplinares. No seu percurso académico passou pela ESD, FBAUP, FBAUL (licenciatura em Escultura) e UCP (pós-graduação em Arte Contemporânea e, correntemente, doutoramento em Estudos de Cultura). Escreve sobre artes visuais e artes performativas, sobre o que podem os arquivos e os corpos e os corpos-arquivo, sobre modos de continuação dos trabalhos artísticos, e sobre fantasmas como manifestações metonímicas. Colabora com vários projectos de investigação artística, participando de diversas manifestações dos mesmos – performances, publicações, exposições, instalações e outras situações de partilha e apresentação que encara de modo experimental. Destaca o AND Lab, ao qual está associada desde 2015, acompanhando assiduamente escolas e labs e o processo de contínua reformulação do Modo Operativo AND. Fez a curadoria, junto com Fernanda Eugenio, do projeto “Do Irreparável: o que pode uma ética de reparação?” (2019), no âmbito do qual foi publicada a Caixa-Livro AND.

3. Os Brasões do Império: performance, espaço público e decolonialidade em Belém, por Izabela Tamaso

O ensaio fotográfico apresenta um olhar sobre a performance/protesto intitulada “Caminhando sobre os brasões”, que aconteceu na Praça do Jardim do Império, em Belém (Portugal), no dia 31 de março de 2023. A performance foi realizada por membros de coletivos antirracistas, antropólogas, ativistas, historiadoras, sociólogas, dentre outras pessoas que, voluntariamente, aderiram ao protesto – com o objetivo de contestar a inscrição, em pedras portuguesas, dos brasões das ex-colônias: Angola, Cabo Verde, Índia, Guiné, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor.  A praça e seu jardim, que passavam por uma obra de “requalificação” desde 2020, estavam fechados com um tapume branco, desde quando da minha chegada à Lisboa, para realização da pesquisa de pós-doutoramento (vinculada ao CRIA – IUL), cujo objetivo é observar as ressignificações pelas quais passam (se é que passam) os patrimônios culturais da “Região de Belém e além”. Para tanto, iniciou-se o acompanhamento e participação das (e nas) atividades – percursos, visitas orientadas, palestras, exposições etc. – realizadas pelos equipamentos culturais na direção de uma decolonização das narrativas patrimoniais, igualmente observadas por meio dos catálogos expositivos, sites e redes sociais. A retirada dos tapumes no mês de fevereiro deste ano, revelou que os brasões das ex-colônias, inscritos em plantas (buxos), quando da construção da praça em 1940 por ocasião da Exposição do Mundo Português, haviam sido inscritos nas pedras dos passeios da praça, agora “requalificada”. A reinauguração da Praça do Jardim do Império, marcada pela reificação da narrativa colonial e imperial, acabou por provocar a necessidade imperiosa de alguma contestação ao “discurso autorizado do patrimônio” que pudesse expor performaticamente o sentimento de indignação, partilhado entre mim e colegas portugueses e estrangeiros, com destaque para o antropólogo Paulo Raposo, a quem coube a liderança da ação. A caminhada sobre os brasões, ao som de frases anti-coloniais, anti-imperiais e anti-racistas, foi alinhavada por fio de lã vermelho, adornada com cravos e fotos de imagens das guerras de libertação e ritmada pelas vozes que clamavam “por um jardim sem impérios”. As incontornáveis reflexões sobre decolonização dos patrimônios e performances reparadoras se darão a partir do ensaio fotográfico.

Izabela Tamaso possui graduação em Rádio e Televisão pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado e doutorado em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB). É professora Associada 3, da Universidade Federal de Goiás (UFG). É membro do Comitê de Patrimônios e Museus da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). É representante da ABA como membro suplente do Conselho Consultivo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e do Comitê Gestor do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus). É vinculada a dois programas de pós-graduação: em Antropologia Social (PPGAS/FCS – UFG) e Performances Culturais (PPGPC/FCS – UFG). Coordena o Núcleo Interdisciplinar em Patrimônios, Artes e Memórias (NIPAM-UFG). Atualmente, em estágio pós-doutoral no CRIA-ISCTE-IUL (Lisboa). Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em patrimônios culturais, antropologia urbana, antropologia do lugar, memória, performances culturais e narrativas visuais.

20:00 – Jantar no Tia Orlanda – Sabores Moçambicanos 

DIA 24, SÁBADO

10:00 – Documentário Monumento Catástrofe (2022, 69’), coletivo Left Hand Rotation

Um road-movie que convoca os principais detonadores de tragédias humanas e não humanas através de uma leitura crítica da história recente de Portugal. Os monumentos e memoriais a catástrofes nas paisagens arruinadas do capitaloceno são também marcadores de memória que denunciam debates sociais e políticos urgentes sobre o colonialismo, o fascismo, o racismo, a violência de género, a especulação capitalista e a destruição dos sistemas de suporte à vida. Muitas vezes visto como elemento ornamental, o monumento público à catástrofe está carregado de ideologia e valores funcionais, servindo mais para legitimação do poder estabelecido do que para a reparação das comunidades afetadas pelas catástrofes. Este documentário forma uma espécie de díptico com A Volta ao Mundo em 80 Catástrofes, uma “ação/edição poética/política” editada como guia turístico e que mapeia 80 monumentos e memoriais, 24 deles em Portugal. Um projeto do coletivo Left Hand Rotation produzido pela Cósmica.

Left Hand Rotation é um colectivo artístico no activo desde 2005 que desenvolve projetos que articulam intervenção, apropriacionismo, registo e edição de vídeo. Em cada uma das suas ações existe uma forte consciência da importância do registo audiovisual, tanto pelo valor das imagens em bruto como pelo potencial de cada clip de vídeo poder converter-se em unidades de linguagem cuja combinação e manipulação possibilita a transmissão de mensagens complexas a partir de detalhes do quotidiano. A câmara só pode registar o contexto específico em que está situada. E é através da recolha no local que o coletivo reflete sobre um sistema global complexo. www.lefthandrotation.com

11:10 – Pausa para café

11:30 – Mesa-redonda: Monumento Catástrofe moderação: Ana Cristina Pereira

Reparar a narrativa histórica, Rosa Cabecinhas

Rosa Cabecinhas (1965, Bajouca, Leiria) teve a sua primeira experiência migratória aos cinco anos, quando foi “a salto” para França. Estudou e trabalhou em vários países. É licenciada em Psicologia, mestre em Psicologia Social, doutorada em Psicossociologia da Comunicação, com agregação em Ciências da Comunicação.  Atualmente é professora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, e investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). Tem desenvolvido investigação de natureza interdisciplinar e coordenado diversos projetos nacionais e internacionais sobre representações sociais da história, relações intergrupais, diversidade e mudança social. Foi co-coordenadora da rede COST “Social psychological dynamics of historical representations in the enlarged European Union”, rede que envolveu investigadores de 30 países. É coordenadora do projeto “Migrations, media and activisms in Portuguese language: decolonising mediascapes and imagining alternative futures” e é co-coordenadora do projeto “Memories, cultures and identities: how the past weights on the present-day intercultural relations in Mozambique and Portugal?”. A sua tese de doutoramento foi premiada pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (2004) e foi co-recipiente do Gordon Allport Intergroup Relations Prize (2012). Das obras que dirigiu, coeditou ou publicou, destacam-se Preto e Branco: A Naturalização da Discriminação Racial (2017, 2ª edição), Comunicação Intercultural: Perspectivas, Dilemas e Desafios (2017, 2ª edição), (In)visibilidades: Imagem e Racismo (2020) e Abrir os Gomos do Tempo: Conversas Sobre Cinema em Moçambique (2022).

Políticas de reparação, Mamadou Ba

Mamadou Ba é licenciado em Língua e Cultura Portuguesa pela Universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar (1997) e titular de um Certificado em ‘Tradução’ pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1998). Cidadão português nascido no Senegal, vive em Portugal há mais de 24 anos, dedicando -se desde então ao ativismo antirracista. Membro fundador de várias organizações de defesa dos direitos humanos dos migrantes e das pessoas racializadas de âmbito nacional e europeu. Integrou conselhos científicos de vários projetos de investigação académica enquanto consultor. Participa como docente em muitas Escolas de verão do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, relacionadas com a temática do (anti)racismo.

Reparações e fronteiras, Luís Cunha

Licenciado em Antropologia Social (ISCTE) e doutorado em Antropologia (UMinho), investigador integrado do CRIA, tem orientado a sua investigação para áreas de interesse dispersas, que confluem na análise dos processos de construção identitária e das dinâmicas sociais. Inserem-se nesta linha de pesquisa os trabalhos que realizou em torno das narrativas identitárias convocadas pelo Estado Novo (e.g. A Nação nas Malhas da sua Identidade, Afrontamento), mas também os nós de consenso e de dissenso tecidos em torno da ideia de lusofonia (e,g. “Letras que desenham identidades”, Anuário Internacional de Comunicação Lusófona). O seu trabalho sobre memória social (e.g. Memória Social em Campo Maior, Dom Quixote), incidindo sobre um contexto de fronteira, tem também a problemática das identidades na sua base. Trabalhos recentes têm seguindo uma linha diferente, buscando um registo mais próximo da desconstrução do modelo económico/político dominante (e.g. “Economic crises and political decision: words and meanings”, in Citizenships in Crises, ICS – com Virgínia Calado).

Produção do documentário Monumento Catástrofe e A Volta ao Mundo em 80 Catástrofes – Especial Portugal, Patrícia Freire 

Patrícia Freire é programadora e produtora independente. Fundou a Cósmica em 2014 e tem criado e produzido objetos e intervenções artísticas, culturais e comunitárias (Aura Festival – festival internacional da arte da luz em Sintra, programação da Fábrica do Braço de Prata em Lisboa (música, artes visuais e artes performativas), Tinta de Limão/Bairros Saudáveis em São João da Madeira, projeto “Populism” da Fundação Stichting Noordkaap (Holanda), Mouraria Light Walk, Lisboa (Prémio Miguel Portas – menção honrosa, 2013), II edição da Luzboa – Bienal Internacional da Luz, entre outros). Produziu os documentários: “Monumento Catástrofe” (2022) e “Fascínio” (2018), ambos com realização do coletivo Left Hand Rotation. Editou e co-produziu o livro “A volta ao mundo em 80 catástrofes – Especial Portugal” (2022) e foi coordenadora da edição “Luz de Presença” (2023, no prelo). Foi investigadora colaboradora no Laboratório da Luz da Universidade Lusíada de Lisboa entre 2015 e 2017. Licenciada e Mestre em Antropologia, tem uma pós-graduação em Culturas Visuais Digitais, ambas pelo ISCTE-IUL e extensa formação em produção cultural.

13:30 – Almoço

15:00 – Mesa 3: Práticas artísticas reparadoras moderação: Inês Beleza Barreiros

1. A função reparadora da arte: trauma e luto na obra ‘Tabula Rasa’ de Doris Salcedo 

Anelise Hauschild Mondardo e Ana Lúcia Mandelli Marsillac

Para a psicanálise, o luto é por si só um importante dispositivo de reparação, já que ao ser definido como uma reação à perda de uma pessoa amada ou à perda de abstrações ocadas em seu lugar (Freud, 1917) instala um longo e doloroso processo de simbolização daquilo que foi reconhecido como perdido. Neste processo, há uma dimensão paradoxal. Ao mesmo tempo em que demanda um trabalho de deslocamentos e busca por substituições – em uma vertente reparatória – inclui outra da ordem do irreparável, do impossível, porque uma vez perdido, nunca mais volta a existir da mesma forma. É neste jogo paradoxal que se localiza esta proposta de comunicação. Valendo-se dos conceitos psicanalíticos de pulsão, trauma e luto propostos pela teoria psicanalítica, esta dialoga com a obra da artista colombiana Doris Salcedo Tabula Rasa (2018). Trata-se de uma peça de arte inspirada em conversas com sobreviventes da violência sexual do conflito armado colombiano e da fratura do senso de si experimentado como consequência da experiência traumática. Composta por cinco mesas de madeira submetidas a uma sequência de destruição seguida de restauração, estas esculturas referem-se à permanente mudança após a violência sexual na qual a pessoa fica irreversivelmente marcada. Parecendo inteiras, as mesas permanecem um frágil composto de minúsculas partes, reconstruídas o mais fielmente possível, cujas ranhuras revelam ao mesmo tempo a presença tanto da força da violência vivida quanto do ato mesmo de se reconstruir (IMMA, 2019).

Propomos com esta comunicação, aproximar os campos da cultura visual e da psicanálise, sublinhando a função reparadora da arte através da perspetiva da arte como sinthoma de um tempo (Marsillac, 2018). Tal análise pauta-se no conceito de Georges Didi-Huberman (2017) da arte como sintoma de um tempo e desdobra-o através da fundamentação lacaniana sobre o conceito de Sinthoma (Lacan, 2007), enquanto arte de dizer ou mesmo saída estratégica ante o que nos faz sofrer. Em um gesto de recriação do impossível e de elaboração do traumático buscaremos problematizar o papel da arte como agente de recuperação da função de reparação.

Anelise Hauschild Mondardo (co-autora e apresentadora). Psicanalista. Doutoranda em Ciências da Comunicação – Comunicação e Arte, mais especificamente em “Arte, Comunicação e Psicanálise” na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade NOVA de Lisboa/Portugal, sob orientação da Prof.ª Doutora Margarida Medeiros e co-orientação da Prof.ª Doutora Ana Lúcia Mandelli Marsillac. É membro do Centro de Estudos Psicanalíticos (CEPdePA/Brasil) e da Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica–APPP/Portugal. Licenciada em Psicologia e Mestre em Psicologia Clínica (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS/Brasil).

Ana Lúcia Mandelli de Marsillac (co-autora). Psicanalista. Prof.ª Doutora do Departamento de Psicologia e do PPG Psicologia UFSC/Brasil e Coordenadora do Laboratório de Psicanálise, Processos Criativos e Interações Políticas (LAPCIP/UFSC, https://lapcip.paginas.ufsc.br/). Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa, Pesquisadora PQ do CNPq.

2. A residualidade da técnica e do computacional: práticas da reparação em três exemplos da arte contemporânea africana, Philipp Teuchmann 

Em Critique de la Raison Nègre, Achille Mbembe, pensando o lugar do sujeito racializado no contexto das configurações contemporâneas da técnica e do capital, lembra ao seu leitor que «restituição e reparação estão […] no núcleo da própria possibilidade de se construir uma consciência comum do mundo, isto é, da realização de uma justiça universal» (2013:261). A presente reflexão visa constituir-se na senda deste entendimento, procurando-se indagar sobre o lugar da prática da reparação numa contemporaneidade crescentemente «brutalista» (Mbembe, 2020).

Para este efeito pensar-se-á um recorte específico das posições assumidas na arte contemporânea Africana relativamente à residualidade da técnica contemporânea – i.e., a ligação que se estabelece entre a(s) experiência(s) Africana(s) e a «geologia» (Parikka, 2015) e materialidade dos media digitais, em particular, e técnicos em geral. Debruçar-nos-emos sobre três casos de estudo. 1) As arquitecturas de DK Osseo-Asare/Yasmine Abbas, i.e., os seus múltiplos spacecrafts, espaços de colaboração que, expostos em lugares tão diversos como Agbogbloshie (2013- 16), no Afropixel #6 (2018) ou no ZKM (2018), se assumem simultaneamente enquanto máquina, quiosque e cinema, por meio deles procurando-se formar uma comunidade em torno da (des-)montagem, da visualização, de uma literacia dos media indestrinçável do «do-it-yourself» . 2) O projecto HubCité (2012) e os Woelab(s) – e.g., Lomé, Togo (2012) – de Sénamé Koffi Agbodjinou, que apontam para um modelo de urbanização alternativo ao entendimento ocidental da smart city, remetendo para uma espacialidade local, «low- high-tech», co-fabricada e co-produzida – com as implicações que tal compreende para as noções de utilizador e espectador. 3) A obra fotográfica de Muntaka Chasant, prestando-se particular atenção à componente (e.g., 2020a; 2020b; 2021) em que o fotógrafo interpela Agbogbloshie, o lixo tecnológico e digital, a comunidade que se constitui em torno da reciclagem e reutilização deste.

Na senda dos referidos exemplos interpelaremos a (re-)apropriação, (re-)significação e (re-)contextualização da residualidade dos media contemporâneos – concebidos segundo um modelo ocidental e perpetuando configurações extractivistas – como movimentos e práticas de reparação – a reparação releva assim tanto do económico-ecológico (oikos)  como do ético (ethos). Com efeito, veremos que estes empreendimentos artísticos são indestrinçáveis de uma radical contestação do «afro-pessimismo» e do seu imaginário – na esteira de Okwui Enwezor consideraremos o «afro-pessimismo» como uma categoria da colonialidade e visualidade que não só implica a «invalidação da utilidade histórica da experiência Africana» (2006:11), mas que também aponta para um «certo conflito da visão: entre o modo como Africanos vêem o seu mundo e como outros vêem esse mundo» (2006:13). Assim, o que está em jogo é a constituição de uma «contra-visualidade» (Mirzoeff, 2011). Ante o afro-pessimismo que atravessa a relação da experiência Africana com os media digitais, em particular, mas também com o electrónico em geral, os artistas enunciados procuram uma reconfiguração colectiva da visualidade que é já sempre uma prática de reparação, entendida como «processo de recomposição [réassemblage] das partes que foram amputadas, a reparação das ligações que foram quebradas, o relançar do jogo da reciprocidade» (Mbembe, 2013:261).

Philipp Teuchmann é doutorando em Ciências da Comunicação – Especialidade em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias – na Universidade Nova de Lisboa, FCSH. Concluiu em 2021 o mestrado na mesma área e instituição com uma dissertação intitulada “Da Operatividade Gráfica: o Diagramático em Três Exemplos da Arte Contemporânea”, na qual se procura pensar um regime diagramático da comunicação e a figuração do diagrama no contexto de diversas práticas artísticas contemporâneas. Integra no momento dois projectos: o African-European Narratives e o Photo-Impulse. Em ambos debruça-se sobre uma crítica pós-colonial da imagem e da função escópica ocidentais, interpelando-se sobretudo o lugar que o diagramático e o fotográfico ocupam no quadro de uma epistemologia colonial. No African-European Narratives procurar-se-á igualmente pensar o papel que o digital pode vir a desempenhar na (des)construção da referida função escópica. As suas áreas de interesse situam-se na teoria e estética dos media, semiótica, arte contemporânea e estudos culturais.

3. Esconjurar fantasmas: (i)materialidade, tecnologia e espiritualidade nas obras ‘Lettres du Voyant’ de Louis Henderson e ‘Premium Connect’ de Tabita Rezaire, Hugo de Almeida Pinho 

Partindo de uma investigação histórica e contemporânea sobre a presença de continuidades coloniais nas tecnologias dos media, esta proposta para comunicação trabalha as relações entre espiritualidade e tecnologia digital para questionar o linear e a generalização da história através da abordagem a dois filmes de artistas que trabalham nas margens entre o cinema e a arte contemporânea – Lettres du Voyant (2013) de Louis Henderson e Premium Connect (2017) de Tabita Rezaire. As duas obras desenvolvem uma reflexão sobre misticismo, ecologia, história africana e culturas tecnológicas, evocando dinâmicas críticas da materialidade e da imaterialidade da tecnologia.

A obra de Louis Henderson aborda o espiritismo e a tecnologia no Gana tendo por base o modo como o e-waste produzido pelo Ocidente é enviado na sua maioria para a Costa Oeste africana, ao mesmo tempo que a tecnologia ocidental necessita integrar diversos recursos minerais frequentemente extraídos no continente africano. O filme aborda assim este emaranhado crítico entre origem e destino que origina diversos efeitos geopolíticos, sociais e ecológicos (CubiX, 2016; Gabrys, 2011; Parikka, 2015). Lettres du Voyant reflecte igualmente sobre uma práctica chamada “sakawa” – uma experiência espiritual e ritualística, que combina o uso de golpes da Internet com magia vudu, e que é assumida hoje pelos ganenses como um acto anti-colonial pelo intermédio do qual procuram recuperar o que lhes foi historicamente roubado. Já o filme de Tabita Rezaire é alicerçado numa investigação sobre as tecnologias de informação e comunicação, explorando sistemas de espiritualidade africanos, o submundo dos fungos, a comunicação ancestral e a física quântica para convocar pesquisas que atribuem o nascimento das ciências da computação a métodos de adivinhação do povo iorubá da África Oriental. Em Premium Connect, Rezaire aborda ainda a maneira pela qual o pensamento hegemónico ocidental parece ter influenciado o pensamento colectivo global através de uma espécie de “colonização do subconsciente” desenvolvida pelo digital (Tonda, 2015).

Partindo do contexto destas duas obras, esta comunicação interpela o modo como estes filmes abordam a ligação entre cosmologias africanas e a tecnologia contemporânea, desmantelando certas dimensões crítcas que envolvem a conectvidade global do digital. Os filmes combinam documentário e ficção apelando à ligação entre a materialidade da tecnologia e os legados coloniais da tecno-indústria actual. Trata-se assim de convocar contradições inerentes à actual era tecnológica, dissipando o mito ilusório da sua imaterialidade, e a nossa própria cumplicidade com sistemas capitalistas globais de produção. Esta comunicação parte assim de determinadas políticas reparativas ligadas à espiritualidade para esconjurar fantasmas (Gordon, 2008) que ainda afectam as relações de poder desequilibradas entre Ocidente e África.

Hugo de Almeida Pinho (1986, Ovar, Portugal). Vive e trabalha entre Porto e Karlsruhe. Mestrando em Media Arte na Staatliche Hochschule für Gestaltung Karlsruhe, Alemanha, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Licenciado em Artes Plásticas – Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (2012) e pela Güzel Sanatlar Fakültesi, Marmara Üniversitesi, em Istambul (2010). Editou o livro “Paradox of Plenty” publicado por Atlas Projectos e Kunstraum Botschaft Berlin, com ensaios de Margarida Mendes, Sara Castelo Branco, Federica Bueti e Kwasi Ohene-Ayeh. Actualmente, está a editar duas novas publicações, “Terra Rara” (Archive Books) e “Sun Burn” (Mousse Publishing) que envolvem reflexões sobre as relações críticas entre tecnologia e natureza, e que a par de ensaios visuais terão a inclusão de diversos textos inéditos de autores nacionais e internacionais. Entre as residências artísticas em que participou, destacam-se Cripta 747 (2021, Turim); Künstlerhaus Bethanien (2018/19, Berlim) bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e Cité Internationale des Arts (2019, Paris) bolseiro do Institut Français e Centre Culturel Portugais/Camões.

4. Interpelar a(s) voz(es) de uma experiência em ‘Nha Sunhu’ (2021) de José Magro, Tiago Vieira da Silva e Isabel Macedo   

A partir da vida presente de Issa, futebolista bisseu-guineense em Portugal, Nha Sunhu propõe uma reflexão sobre o lugar do Outro na sociedade portuguesa; este exercício, porém, desperta-nos uma inquietude no decorrer no filme, porquanto a voz do protagonista, Issa, parece muitas vezes embargada por motivos aparentemente inexplicáveis.Realizado por José Magro, com vinte minutos de duração, a curta-metragem Nha Sunhu suscita-nos interrogações que se prendem com o uso das possibilidades do documentário e a temática em questão: de que forma deve uma experiência de vida ser registada pela câmara? Ademais, de que forma é que esse processo de vida se complexifica, tratando-se de um indivíduo imigrante que (não obstante ter consentido essa partilha) divide a autoria sobre a sua própria experiência com o realizador?

Como referimos inicialmente, Nha Sunhu desperta-nos uma inquietude no decorrer do filme, porquanto a voz do protagonista, Issa, parece, de certa forma, condicionada. Neste sentido, direcionamos a nossa atenção para a própria natureza da linguagem cinematográfica, interrogando até que ponto é que as escolhas da mesma – e a própria condição do documentário enquanto espaço privilegiado (ainda que não exclusivo) do real – suscitam essa impressão.Iniciando-se com uma entrevista, o filme segue posteriormente o dia-a-dia de Issa, encenando o seu quotidiano. Como um prelúdio de uma vida que anseia por ser contada, Nha Sunhu revela alguns fragmentos de uma experiência que o próprio Issa, por vezes, parece resistente em partilhar. É a partir dessa impressão que nos interessa interpelar a(s) voz(es) do filme, a sua complexa relação com a linguagem cinematográfica e os desafios de comunicar uma experiência, um lugar de fala.

Isabel Macedo é Investigadora Auxiliar no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho. É doutorada em Estudos Culturais, licenciada, e mestre em Ciências da Educação. A sua investigação atual cruza a comunicação intercultural e perspetivas decoloniais para explorar os desafios das migrações contemporâneas e as representações veiculadas pelo cinema. É cocoordenadora do projeto “Migrações, media e ativismos em língua portuguesa: descolonizar paisagens mediáticas e imaginar futuros alternativos” (FCT, 2022-2026) e diretora do Museu Virtual da Lusofonia, uma plataforma de cooperação académica, em ciência, ensino e artes, no espaço dos países de língua oficial portuguesa. Publicou em revistas nacionais e internacionais sobre cinema, interculturalidade, memória, (anti)racismo e educação. Foi coordenadora do Grupo de Trabalho de Comunicação Intercultural da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (Sopcom; 2018-2022) e é Diretora da Revista Lusófona de Estudos Culturais (com Rita Ribeiro).

Tiago Vieira da Silva formou-se em Cinema e Audiovisual pela Escola Superior Artística do Porto. Frequenta o doutoramento em Ciências da Comunicação (UMinho). Docente no curso do Cinema e Audiovisual, na Escola Superior Artística do Porto. É gestor de conteúdos do Museu Virtual da Lusofonia, atual Unidade Cultural da Universidade do Minho, tendo integrado o projeto internacional “Memories, Cultures and Identities: How the past weights on the present day intercultural relations between Mozambique and Portugal” (FCT/Aga Khan, 2018-2022) e o projeto nacional “Mapeamento e Sentidos Críticos do Arquivo Fotográfico da Empresa Companhia de Diamantes de Angola (Diamang)” (2020). Integra presentemente o projeto “MigraMediaActs: Migracões, media e ativismos em língua portuguesa: descolonizar paisagens mediáticas e imaginar futuros alternativos”. Investigador no Centro de Estudos Arnaldo Araújo (CEAA/ESAP) e no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS/UMINHO).

16:30 – Pausa para café

 17:00 – Mesa 4: Práticas e dispositivos de reparação moderação: José Capela

1. O que é reparar na exposição ‘O Impulso Fotográfico. (Des)arrumar o arquivo colonial?’, Teresa Mendes Flores, Carmen Rosa, Soraya Vasconcelos e Catarina Marques Mateus 

A exposição “O Impulso fotográfico. (Des)arrumar o arquivo colonial”, propõe uma leitura decolonial das imagens e dos objetos científicos das expedições de geodesia e antropologia realizadas aos territórios colonizados por Portugal, entre 1890 e 1974. Resultou de um projeto FCT desenvolvido no Instituto de Comunicação da Nova, com vários parceiros, entre os quais o Museu de História Natural e Ciência da Universidade de Lisboa, onde a exposição está patente até ao final do ano. A exposição procurou trazer várias vozes e perspectivas sobre o legado histórico deste arquivo colonial através de uma curadoria colaborativa e intercultural que reuniu um conjunto de investigadores/as, ativistas e artistas oriundos de três continentes e de lugares sociais diversos. A exposição foi pensada pela equipa curatorial como um gesto de reparação histórica e cultural. É sobre os vários sentidos, as questões éticas e até os possíveis falhanços desta intenção de reparar que queremos falar, dando testemunho do processo de construção da exposição.

Dividiremos a nossa apresentação em duas partes: uma que debate o conceito de “enquadramento/re-enquadramento” (Deborah Tannen) no contexto da reposição de verdades históricas escondidas e como este reenquadramento se materializou nas formas de exibição deste arquivo colonial, que acabaram por ser escolhidas, isto é, na seleção do que mostrar e de como mostrar, naquilo que constitui uma problemática de política visual e de como ela pode ir ou não ao encontro dessa reparação histórica. Numa segunda parte da nossa comunicação, escolhemos um dos trabalhos desenvolvidos para a exposição: “Mulheres, sempre presentes”. Num prolongado diálogo com Carmen Rosa, o trabalho foi construído a partir de várias cumplicidades, procurando um sentido pessoal e político. “Mulheres, sempre presentes” resgatou do arquivo colonial vários retratos de mulheres que foram objetificadas e anonimizadas pela antropologia física colonial, mas que aqui foram retirados desse contexto e re-significados enquanto retratos que sublinham os olhares dignos e a presença vibrante destas mulheres, a quem são atribuídos nome e discurso, coligido de textos de diversos autores angolanos. Que estas imagens possam transitar de um registo de impotência para o registo oposto, demonstra a projeção de quem as “lê”, invertendo também o lugar da ficção: tão, ou mais, presente na leitura histórica original, do que neste espaço de manipulação deliberada.

Teresa Mendes Flores  é historiadora de fotografia e investigadora em arqueologia dos media, em cultura visual e semiótica. Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa (2010), é investigadora CEEC (norma transitória) do ICNOVA e Professora Auxiliar no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona.  No ICNOVA, coordenou o grupo de investigação “Cultura, Mediação &Artes”(2019-2023), e é co-editora da revista académica RCL — Revista de Comunicação e Linguagens. Foi investigadora principal do projeto FCT “O impulso fotográfico: medindo as colónias e os corpos colonizados. O arquivo fotográfico e fílmico das missões portuguesas de geografia e antropologia” (2018-2022), que deu origem à exposição “O impulso fotográfico (des)arrumar o arquivo colonial”, de que é uma das curadoras. A exposição está patente até ao final de 2023 no Museu de História Natural e Ciência da UL.

Carmen Loureiro Rosa. Negra. Nasceu em Angola. Vive em Portugal desde 1979. Técnica superior da Direção-Geral de Património Cultural. Atenta e sensível, a questões de sub cidadania, preconceito social e sexismo, que encaminham tudo para relações de poder, dominação e prestígio, a partir da raça e da masculinidade.

Soraya Vasconcelos é artista plástica e investigadora do COW /Universidade Lusófona. Licenciada em pintura, estudou também fotografia e filosofia e doutorou-se em Comunicação, Cultura e Artes com o projecto de investigação artística Afecto – Oscilógrafo do Sentido. É docente no curso de fotografia da Universidade Lusófona e leccionou no Instituto Politécnico de Tomar (2014-19). Participou no projecto de investigação Rethink – Alternative Narratives to Violent Extremism (2019). Tem mantido uma actividade regular enquanto artista cuja prática inclui fotografia, desenho e instalação. As suas mais recentes participações incluem a exposição colectiva Imagens com Vida Própria da Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira 2018, com curadoria de Sandra Vieira Jürgens, e o projecto colectivo e interdisciplinar Estação Vernadsky (Sines e Lisboa 2017-18), proposto e coordenado em conjunto com Susana Gaudêncio. Foi investigadora contratada do projeto FCT “O Impulso Fotográfico” e uma das curadores da exposição final “O impulso fotográfico (des)arrumar o arquivo colonial”, no Museu de História Natural e Ciência da UL.

Catarina Mateus é conservadora e curadora das colecções de fotografia dos Museus da Universidade de Lisboa, em particular das coleções IICT e MUHNAC. Mestre em Conservação Preventiva pela Universidade de Northumbria, tem formação superior em conservação e restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar e pós-graduação em fotografia pelo IADE. Fez parte da equipa LUPA (Luis Pavão, Lda) durante 11 anos, dando formação e trabalhando como conservadora-restauradora de fotografia em diversas coleções: Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – IHRU; Centro de Imagem Mariana – Santuário de Fátima, Fundação Calouste Gulbenkian, entre outras. Desde 2005 que trabalha com a coleção de fotografia do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT). Membro da equipa de investigação do projeto FCT “O Impulso Fotográfico”, é também uma das curadoras da sua exposição final “O impulso fotográfico (des)arrumar o arquivo colonial”, no Museu de História Natural e Ciência da UL.

2. Fotografia aérea de territórios indígenas do Brasil: a reparação do olho de pássaro, Marcella Legrand Marer

Uma fotografia aérea, na qual indígenas são vistos apontando seus arcos e flechas em direção ao avião, pertence ao imaginário social e pode ser considerada um estigma visual na forma de ilustrar povos em isolamento voluntário. A reprodução deste mesmo tipo de imagem tem sido realizada no Brasil desde a década de 1940 até os dias de hoje. A fotografia é um instrumento de colonização (Azoulay, 2008) e, no caso do Brasil, essa característica é particularmente evidente na representação iconográfica dos povos indígenas. Como os autóctones ocupam territórios da floresta amazônica que são disputados por indústrias extrativistas, monocultura, agropecuária e pelo Estado brasileiro, a narrativa associada às imagens aéreas é bélica. “Os selvagens perigosos” contra “os trabalhadores e conquistadores vítimas de um povo que não trabalha”. A perspectiva de cima para baixo sobre os territórios indígenas colaborou para o avanço do processo de industrialização do país e a exploração dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que justificaria as violências cometidas contra os povos originários.

Com a popularização dos drones, algumas comunidades indígenas se reapropriaram de uma das armas de seus colonizadores como forma de defesa e resistência. As fotografias e os vídeos produzidos pelas tribos são um meio de denunciar legalmente a ocorrência de crimes e violações ambientais que vêm sendo vivenciadas por várias gerações. Esse conhecimento é adquirido pela vivência na terra e pelas histórias contadas oralmente por seus ancestrais. A vigilância aérea é, portanto, uma prática relevante na luta indígena para estabelecer um diálogo com os não indígenas por meio de uma linguagem comum: a visual. Quando a técnica é dominada por indígenas, ela funciona não apenas como uma câmera de segurança da floresta, mas também como uma inversão na lógica de serem objetos antropológicos para se tornarem protagonistas que ressignificam suas histórias. Esse deslocamento de quem controla os drones permite que haja uma reparação ao reescrever a história por meio de uma perspectiva anticolonial que inclui a estética indígena nas esferas do conhecimento, da governança e da produção cultural.

Esta apresentação será abordada em dois eixos: 1) demonstração de como foi criado o estigma visual na forma de representação de tribos indígenas brasileiras, apresentando as narrativas relacionadas à disseminação dessas imagens pela imprensa nacional e internacional; 2) apresentação da mudança no discurso, na narrativa e no uso da fotografia aérea quando esta é produzida por comunidades indígenas registrando seu próprio território.

Marcella Marer é curadora e pesquisadora de fotografia e colabora com revistas de fotografia e com projetos de livros e exposições. É doutoranda na Universidade de Zurique em Romanística – Estudos Brasileiros (Literatura, artes e media) e sua pesquisa é centrada na fotografia aérea de territórios indígenas no Brasil. Seus interesses de pesquisa são na história contra-colonial da fotografia brasileira, na perspectiva fotográfica estrangeira sobre a América Latina e no papel da fotografia como ferramenta de resistência e inclusão da estética indígena nas esferas do conhecimento, governança e produção cultural. É mestre em Artes e Linguagens pela École des Hautes Études em Sciences Sociales (com uma tese que propõe uma perspectiva descolonizada na história do fotojornalismo brasileiro) e em Responsabilidade Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante a qual estudou a Escola de Fotógrafos Populares na favela da Maré, que incluiu observação participatória.

3. Re-Apropriação Visual | Instrumentos pedagógicos de inversão das narrativas, Laura Burocco 

A apresentação se concentrará em minha pesquisa de longo prazo sobre a descolonização da produção de conhecimento e das artes de uma perspectiva indígena e do sul, particularmente do Brasil e da África do Sul, mas também entre povos indígenas Sámi do norte da Europa e da Oceania, Gana e Nigéria. Como frequentemente os estudiosos decoloniais nos lembram, o conceito de decolonialidade não tem origem no campo acadêmico, mas surge das lutas de pessoas que sentem a opressão do colonialismo. Nesta medida pode dizer-se que estas produções, tanto académicas e/ou intelectuais, como artísticas assumem uma função reparadora, incorporando “práticas de ‘descolonização pelo fazer”. Na apresentação farei uma introdução sobre os movimentos Rhodes e Fees Must Fall, como dois movimentos estudantis sul-africanos que, na minha opinião, iniciaram o discurso sobre descolonização do conhecimento no mundo inteiro, antes de serem apropriados pela Europa, especialmente nos discursos sobre instituição e museus no norte de Europa.

Enquanto a reivindicação direta dos movimentos estudantis se voltava para as políticas afirmativas nas universidades, antes de tudo a reivindicação pela valorização das línguas nativas, ela se manifestava por meio de uma radical ressignificação do espaço público na remoção do Rhodes que abriu uma onda iconoclastica. Exemplo desse movimento são as práticas conduzidas por artistas indígenas como Denilson Baniwa, Reko Rennie, que marcam uma reapropriação das narrativas. Da mesma forma o trabalho de Jaider Esbell e Denilson Baniwa trabalha mais diretamente a ‘edição’ da história. Cartas ao Velho Mundo de Esbell, assim como a exposição Reinventing the Américas: Construct. Erase. Repeat de Baniwa assumem um papel importante, não só por denunciar a violência do colonialismo como também por desmentir as narrativas histórica implícitas nele. De forma parecida agem os trabalhos das artistas indígenas Sámi Maret Ánne Sara, e Yuki Kihara artista de Samoa parte da comunidade do ‘terceiro gênero’ da Fa’afafine. O/As mencionado/as artistas atuam, de certa forma, como uma ferramenta pedagógica indígena para obrigar o branco a uma necessária reaprendizagem histórica (de-learning/re-learning). Estes são apenas alguns exemplos de inúmeras práticas de reparação/descolonização no Sul que mostram o papel da produção artística e das práticas culturais dele/as, tantas vezes ofuscado pelos discursos teóricos a que academia ocidental está presa.

Dados de um recente estudo demonstram que, ao falar de restituição se referindo aos bronzes do Benim, de 24 autores citados apenas 1 é Africano/a. A desigualdade da circulação e produção de conhecimento em relação aos acadêmicos e artistas do sul é uma urgência que precisa ser abordada dentro do mundo acadêmico ocidental em termos de reparação. Atuando como um apagamento secundário reproduz uma lógica semelhante àquela que permitiu que as histórias dos povos nativos, e suas terras, fossem substituídas pela visão universalista ocidental. Remete ao conceito de Spivak de ‘ignorância sancionada’ que permite a exclusão do informante nativo e tornou-se ainda mais problemático quando aplicado à onda decolonial da academia europeia.

Laura Burocco é investigadora do Centro de Investigação em Antropologia (CRIA) ISCTE do Instituto Universitário de Lisboa. Sua pesquisa interroga a interseção entre cultura e poder como foco principal da descolonização do conhecimento, abordando criticamente a academia e as artes como ferramenta para uma descolonização significativa. Tem pós-doutorado em Visual History and Theory no Centre for Humanities Research da University of the Western Cape CHR-UWC, Cape Town (2021) e em Linguagens Visuais no Programa de Pós-Graduação da Escola de Arte PPGAV da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2019). É doutorada em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação ECO da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2018) com período de pesquisadora visitante no WITS City Institute da WITS University, Johannesburg. Trabalhou na cooperação internacional em direitos humanos por 10 anos antes de começar seu percurso acadêmico.

4. O TEMPO DAS HUACAS: Musealização de corpos Ameríndios e Artivismo em contrarrepresentações éticas e estéticas, Rui Mourão

Apesar de um crescente escrutínio público, muitos museus europeus continuam a deter nas suas coleções objetos de outras culturas adquiridos em contextos coloniais. Esta é uma história com quase dois séculos, onde é frequente a comunicação institucional afirmar apenas fazer uma apresentação neutral da expressão material da memória. Em contraste com esta ideia, o movimento pela descolonização dos museus defende que o passado é interpretado em cada presente de acordo com diferentes perspetivas e a perspetiva institucional foi historicamente monopolizada por alguns em detrimento de outros. Tratando-se o museu de um dispositivo que constrói e naturaliza representações não é um espaço neutro. Neste contexto, o projeto O TEMPO DAS HUACAS procurou activar um diálogo em torno da exposição dos corpos mumificados de dois jovens ameríndios do povo Chancay no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa, reunindo uma pluralidade de perspectivas de artistas, pensadores e profissionais dos museus. Na impossibilidade de identificar descendentes vivos do povo Chancay, optámos por lançar um convite a diversos artistas sulamericanos que reivindicam a(s) identidade(s) indígena(s) (dos povos Guarani, Baniwa, Huni Kuin, Makuxi e Wanka), para que expusessem em vídeo os seus posicionamentos sobre o tema a partir de uma diversidade de linguagens artísticas contemporâneas e identidades culturais.

Um outro convite foi lançado a pensadores da área dos Estudos dos Museus e da Cultura Visual e a profissionais de museus com experiências e perspectivas relevantes neste contexto, para que partilhassem por escrito as suas reflexões em torno destas questões. Escreveu-se a partir de lugares diversos (Europa, África, América do Sul e do Norte), tendo em comum um compromisso com a busca do que poderia ser um “outro museu”. Em alguns casos é um museu vazio, ou deixa de ser um museu; noutros, é um museu-casa, que alberga uma pluralidade de perspectivas e narrativas; noutros ainda, ele parece-se com os museus que já existem, mas é aberto à mudança de modo a responder aos desafios do presente. Por fim, somou-se uma performance-surpresa no próprio Museu Arqueológico do Carmo. Partiu de uma visita guiada não-oficial à sala 4 do museu para visibilizar um tempo de poder sobre o outro, substituindo-o por um outro tempo, de busca de cura, de dignificação, de empatia no que foi vivido por outras pessoas, noutro lugar, noutro tempo. Esse tempo polissémico e multipessoal é um tempo que se aproxima, que nos aproxima, das “huacas”. Daí resultou um sítio na internet, entre o real e o virtual, com contrarrepresentações éticas e estéticas. O qual se constituiu como espaço de exposição e arquivo, fórum e palco, reflexão e artivismo.

Em suma, O TEMPO DAS HUACAS recorreu ao vídeo, performance e escrita como convite ao exercício de um outro olhar do mundo na sua complexidade. O que inclui o(s) olhar(es) indígena(s). Começando por reconhecer os desequilíbrios historicamente construídos, poderemos imaginar como podem ser tecidos novos modos de relação, dentro e fora dos museus.

Projeto disponível online: https://sites.google.com/view/otempodashuacas

Esta comunicação é feita por Rui Mourão em nome de um projeto que resultou de uma colaboração com a artista e investigadora em estudos artísticos Filipa Cordeiro.

Rui Mourão (1977, Lisboa) é artista, investigador em estudos artísticos e mediador cultural. Estudou Artes (UAB, Barcelona; CECC, Barcelona; Maumaus, Lisboa; Malmö Art Academy, Malmö-Suécia). Tem pós-graduação em Culturas Visuais Digitais e mestrado em Antropologia (ambos no ISCTE). É doutorando em Estudos Artísticos (FCSH-Nova), com bolsa da FCT e pesquisa na Amazónia. Recebeu o prémio do público no FUSO – Anual de Vídeoarte Internacional de Lisboa (2010), o prémio para melhor ensaio audiovisual da Associação Portuguesa de Antropologia (2019), o prémio de melhor documentário no festival de cinema independente Make Art Not Fear (2022) e várias menções honrosas (destaca a de cinema experimental no Venice Intercultural Film Festival). Participou na GIBCA Extended – Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Gotemburgo (2021). Apresentou um filme na Cinemateca Portuguesa (2013). Fez residências artísticas, colaborações, conferências, artigos e livros. Participou em mais de 100 exposições e mostras de vídeo em 17 países.

18:30 – Encerramento 

Moderação e apoio:

Ana Cristina Pereira (AKA Kitty Furtado) é crítica cultural empenhada na diluição de fronteiras entre academia e esfera pública. Tem curado mostras de cinema (pós)colonial e promovido a discussão pública em torno da Memória, do Racismo e das Reparações. É doutora em Estudos Culturais, pela Universidade do Minho, com a tese: “Alteridade e identidade na ficção cinematográfica em Portugal e Moçambique” e investigadora do CECS (U. Minho), onde coordena a linha de investigação “Ativismos Migrantes” do projeto MigraMediaActs. Coeditou números especiais de revistas científicas, entre os quais, o nº 54 da Revista Comunicação e Linguagens – Gender Decolonising: ways of seeing and knowing. Atualmente é coordenadora do Grupo de Trabalho de Cultura Visual da SOPCOM e diretora da VISTA: revista de cultura visual (com Silvana Mota Ribeiro). Juntamente com Rosa Cabecinhas publicou o livro “Abrir os gomos do tempo: conversas sobre cinema em Moçambique” (2022).

Inês Beleza Barreiros é historiadora de arte, crítica cultural e curadora, desenvolvendo o seu trabalho dentro e fora da academia. A sua investigação debruça-se sobre as sobrevivências do colonialismo e a forma como a arte e as imagens são objectos produtores de conhecimento. É doutorada em Media, Culture, and Communication Studies (especialização Cultura Visual e Estudos da Memória) pela New York University, mestre em História da Arte Contemporânea pela FCSH-UNL e licenciada em História da Arte pela FLUL. Inês é investigadora colaboradora do ICNOVA e co-gestora nacional do projecto europeu TRACTS – Traces as Research Agenda for Climate Change, Technology Studies, and Social Justice. É também editora da revista La Rampa. Art, Life & Beyond e tem trabalhado em documentários que exploram a relação entre o cinema e as outras artes. Entre publicações em revistas académicas e capítulos de livros é autora de “Sob o Olhar de Deuses sem Vergonha”: Cultura Visual e Paisagens Contemporâneas (2009) e está a preparar o livro Thinking Visually: The Afterlives of Portuguese Imperialism. https://www.inesbelezabarreiros.com

Gessica Borges é comunicadora social licenciada pela Universidade Anhembi Morumbi (Brasil), mestre em Estudos Africanos pela Universidade do Porto (Portugal), com pesquisa sobre memória, identidade e resistência através de história oral de mulheres negras brasileiras. Atualmente é doutoranda em Estudos Culturais pela Universidade do Minho (Portugal) e faz parte da equipa do projeto “MigraMediaActs – Migrações, media e ativismos em língua portuguesa: descolonizar paisagens mediáticas e imaginar futuros alternativos” (CECS).

É escritora autodidata desde a infância e poeta de coração com poesias publicadas em antologias brasileiras, incluindo “Poetas Negras Brasileiras” (Editora de Cultura, 2021). Também atua como ativista em coletivos antirracistas portugueses como o Núcleo Antirracista do Porto (NARP) e União Negra das Artes (UNA).

Isabel Macedo é Investigadora Auxiliar no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho. É doutorada em Estudos Culturais, licenciada, e mestre em Ciências da Educação. A sua investigação atual cruza a comunicação intercultural e perspetivas decoloniais para explorar os desafios das migrações contemporâneas e as representações veiculadas pelo cinema. É cocoordenadora do projeto “Migrações, media e ativismos em língua portuguesa: descolonizar paisagens mediáticas e imaginar futuros alternativos” (FCT, 2022-2026) e diretora do Museu Virtual da Lusofonia, uma plataforma de cooperação académica, em ciência, ensino e artes, no espaço dos países de língua oficial portuguesa. Publicou em revistas nacionais e internacionais sobre cinema, interculturalidade, memória, (anti)racismo e educação. Foi coordenadora do Grupo de Trabalho de Comunicação Intercultural da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (Sopcom; 2018-2022) e é Diretora da Revista Lusófona de Estudos Culturais (com Rita Ribeiro).

José Capela, arquiteto, doutorou-se com a dissertação Operar conceptualmente na arte. Operar conceptualmente na arquitetura. É docente na Universidade do Minho, onde leciona nos cursos de arquitetura e teatro, e é investigador do Lab2PT. Comissariou, com Cláudia Taborda, a conferência internacional Arquitetura [in] ]out[ Política para a Trienal de Arquitetura de Lisboa 2010, é autor do capítulo “Uma garrafa de Coca-Cola e duas estufas: política interna nas artes e na arquitetura” do livro Estética e Política entre as Artes (Edições 70) e tem publicado em revistas de arquitetura e de artes performativas. Fundou e dirige, com Jorge Andrade, a mala voadora, sendo responsável pela cenografia dos espetáculos. Publicou o catálogo de cenografia Modos de não fazer nada, foi presidente da APCEN entre 2016 e 2018, e é autor da instalação Windows – representação portuguesa na exposição Countries da Quadrienal de Praga 2019 – e editor, com José Carlos Duarte, do respetivo catálogo W : JC + JCD. Nos últimos anos, colaborou ainda com a Companhia Nacional de Bailado, o Teatro Nacional São Carlos, e concebeu uma cenografia-instalação para o foyer do Teatro do Bairro Alto. Foi nomeado para o Prémio Autores de cenografia em 2012 e 2017, e recebeu o prémio em 2016 por Pirandello da mala voadora.

Teresa Mendes Flores é historiadora de fotografia e investigadora em arqueologia dos media, em cultura visual e semiótica. Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa (2010), é investigadora CEEC (norma transitória) do ICNOVA e Professora Auxiliar no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona.  No ICNOVA, coordenou o grupo de investigação “Cultura, Mediação &Artes”(2019-2023), e é co-editora da revista académica RCL — Revista de Comunicação e Linguagens. Foi investigadora principal do projeto FCT “O impulso fotográfico: medindo as colónias e os corpos colonizados. O arquivo fotográfico e fílmico das missões portuguesas de geografia e antropologia” (2018-2022), que deu origem à exposição “O impulso fotográfico (des)arrumar o arquivo colonial”, de que é uma das curadoras. A exposição está patente até ao final de 2023 no Museu de História Natural e Ciência da UL.

 

Traduzir
Scroll to Top