A Violência de promessas quebradas

Há tempos falava sobre violência doméstica e cheguei à conclusão de que as promessas são das melhores coisas que existem para o ser humano, porque nos dão força para continuar a viver, mesmo nas condições mais desumanas, o que nem sempre é uma vantagem.

Eu sempre disse que nunca deixaria que me agredissem nem física nem psicologicamente e, muito menos no meu próprio lar. Se algum dia isso me acontecesse, num momento de distração emocional da minha parte, abandonaria o agressor de imediato, mal me apercebesse do sucedido. Esta é a premissa mágica para quebrar o ciclo da violência – aperceber-se da gravidade do sucedido e abandonar o agressor. 

Numa conversa com uma colega jornalista que trabalhou sobre o tema, dei-me conta de que estes dois momentos são muitas vezes precedidos por um elemento perturbador do processo, mas que, frequentemente, é tomado como estabilizador desse mesmo processo – a promessa. 

A promessa de que o sucedido não voltará a acontecer. No entanto, a sucessão de episódios de agressão é uma característica marcante do ciclo da violência. Por isso mesmo se chama ciclo da violência. Mas voltemos ao nosso elemento estabilizador…, perdão, perturbador – a promessa.  

A mulher agarra-se a esse elemento, à promessa, e ganha força para continuar no lar, pois pensa que a situação se estabilizou. Engana-se. Quando um agressor agride, fá-lo porque pode. Para ele esta é a situação estável. A partir do momento em que promete parar de agredir, ele entra num desequilíbrio e deixa de saber que papel assumir na relação. A mulher, por outro lado, ganha confiança e a ilusão de estabilidade e segurança. Estas novas caraterísticas podem, porém, causar no (ex)agressor um sentimento de perda. Perda de poder, perda de controlo ou até mesmo a sensação de perda da própria identidade. Esta dinâmica culmina, na maior parte das vezes, num retorno à agressão. 

Isto acontece por causa da supervalorização do elemento promessa. Quando uma mulher se apercebe da gravidade de um acto de violência deve abandonar o agressor de imediato, independentemente das promessas. 

Quando falo da supervalorização das promessas, quero dizer que elas são projeções futuras sem uma base sólida para uma concretização. A promessa que não é cumprida é normalmente das duas partes. Do homem que promete não voltar a agredir e da mulher que promete abandoná-lo caso a agressão se repita. Acredito que se se cumprissem estas duas promessas muitos lares poderiam ser salvos. 

A violência doméstica é um crime público, o que quer dizer que não depende de qualquer denúncia. O que facilita que as vítimas já intimidadas, admoestadas e encurraladas numa situação da qual acreditam não poder sair, serem auxiliadas.

Antigamente não percebia como era possível mulheres adultas, inteligentes e bem informadas, não agirem quando agredidas. Para mim, elas não eram merecedoras desses adjetivos. Mas qualquer mulher ou outra vítima de violência doméstica sabe que a situação não pode ser vista de forma tão linear. 

Em Portugal, nos primeiros seis meses de 2023, a polícia recebeu mais 490 denúncias de violência doméstica do que no mesmo período no ano passado. 

As promessas são das melhores coisas que existem para o ser humano, sim. Dão-nos força para continuar a viver de forma estável o que, na minha opinião, nada tem a ver com condições desumanas.

Segundo dados do governo, a Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica acolheu 1450 pessoas.  Os números indicam que 52,2% eram vítimas adultas, e 47,8% eram dependentes a cargo (maioritariamente crianças e jovens que, por questões de segurança, acompanharam as suas mães). Das vítimas adultas acolhidas, 98% eram mulheres e 2% eram homens.

Em agosto deste ano, o governo, através da Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações, lançou a campanha “Não Há Desculpas Para a Violência Doméstica”. Esta iniciativa tem o objetivo de sensibilizar a sociedade para o crime, porque não há desculpas nem promessas que justifiquem a violência doméstica.  

 

Nota: Esta é uma reflexão feita em 2009, no formato de notas de Facebook, atualizada para  o contexto de 2023, uma vez que o tema da violência doméstica se mantém um problema na nossa sociedade.

 

Traduzir
Scroll to Top