Observo a minha mãe enquanto ela fala ao telefone com a avó, Mama Penda, com o conhecimento de que só lhe restam alguns anos para desfrutar da sua mãe. Tempo que ela não pode aproveitar ao máximo, porque estão a milhares de quilómetros de distância.
São estes pensamentos que a levam a tentar compensar esta distância, enviando-lhe dinheiro para que não lhe falte nada e telefonando o mais possível, especialmente agora que a sua saúde é delicada e ela não pode estar perto dela, embora quisesse. Pergunto-me frequentemente quando vejo a cara da minha mãe após desligar o telefone, por que estamos aqui?
Ao fazer perguntas aprendi que uma das razões que a ajudou a adaptar-se à vida em Maresme, foi porque já havia aqui uma pequena comunidade de gambianos naquela região da Catalunha.
Os primeiros migrantes gambianos chegaram no final da década de 1960. A Catalunha era uma terra de passagem para muitos deles, uma das suas últimas paragens antes do seu destino. Os que ficaram, fizeram-no nas diferentes aldeias ao longo da costa de Maresme. Atualmente, de todos os gambianos registados na Catalunha, 30% vivem em Maresme, principalmente em três municípios: Mataró, Premià de Mar e Pineda de Mar (a minha cidade), segundo o Institut d’Estadística de Catalunya (Idescat).
No início, a maioria deles trabalhava num dos sectores com maior procura: a agricultura. Começaram do zero, não sabendo falar nem catalão, nem espanhol, e as primeiras oportunidades de emprego que encontraram foram nos campos, devido às más condições e baixos salários. Este foi o destino do meu pai, que começou na agricultura, mas acabou por se mudar para a indústria hoteleira e de restauração, outro dos pontos fortes deste país, conhecido pelo seu turismo de sol e praia.
Mas esta é a história dos homens. No caso de mulheres gambianas, como a minha mãe, o processo de migração para o Maresme começa com uma promessa: o casamento. Uma vez os homens estabelecidos, a unificação familiar começa com a chegada das suas esposas e filhos, se os tiverem.
Se eu reformular a minha pergunta inicial, como a minha mãe acabou a mais de 4.000 quilómetros da sua terra natal, foi uma decisão que ela quis tomar? Encontrei respostas a perguntas como esta há alguns anos. Falando com ela, senti a necessidade de conhecer a sua história, a história do porquê estarmos onde estamos.
Entre conversas, a minha mãe mergulha nas suas memórias e leva-me de volta à sua infância, um testemunho de como era a vida na Gâmbia nos anos 1980. Ela nasceu em março de 1977 e cresceu em Sare Babu, uma pequena aldeia de cerca de 300 habitantes — na sua maioria da étnia Fula — localizada na Divisão Central River, uma das cinco divisões do país. Como é comum nas aldeias rurais, começou a trabalhar na quinta familiar aos sete anos, tal como as restantes irmãs. Ela ajudou principalmente os seus pais nas colheitas de arroz e amendoim. Dos sete aos quinze anos, a sua vida diária era uma repetição da mesma rotina: acordar cedo de manhã, rezar, ajudar a preparar o pequeno-almoço no campo, e/ou fazer as tarefas domésticas com as suas irmãs e primos. Para a minha mãe, a coisa mais difícil da vida na Gâmbia é que “as mulheres têm sempre mais trabalho, nunca deixam de trabalhar”. Os homens trabalham nos campos, enquanto as mulheres também têm de cozinhar, limpar, ir buscar água e cuidar dos filhos.
Desde a sua chegada há 30 anos, mais mulheres gambianas continuaram a vir e a comunidade gambiana em Pineda e na região de Maresme tem crescido enormemente. Contudo, as oportunidades continuam a ser as mesmas. Pineda continua a ser uma cidade que depende fortemente do turismo e, neste sector, sem qualquer educação, estas mulheres só podem aspirar a empregos não qualificados, tais como empregadas de limpeza, auxiliares de cozinha, máquinas de lavar a loiça…
Em 1992, a sua vida foi virada do avesso quando, aos quinze anos, o seu pai a informou de que estava noiva. Ela não conhecia o seu noivo, o meu pai, nem nunca tinha falado com ele, mas confiava no julgamento do meu avô: “Ouvi os meus pais, eles deram-me o teu pai e pensei que não me iriam colocar num lugar onde me sentisse mal.” Não conheceria o seu futuro marido até um mês antes de casar-se com ele.”
Nunca passou pela sua mente que acabaria por viver na Europa, longe de tudo o que ela conhecia. No entanto, no verão de 1993, após ter vivido um ano na aldeia do meu pai, deixou a sua terra natal, a Gâmbia, e aterrou em Pineda de Mar. Ela teve a sorte de fazer a viagem com a minha tia Sona — a esposa do melhor amigo do meu pai — que também se tinha casado um ano antes.
Nos primeiros meses, experimentou um forte choque cultural. Veio de uma cultura onde o sentido de comunidade é a base de tudo, onde as pessoas vivem com a sua família alargada e as portas das casas estão sempre abertas. De repente, a sua nova realidade foi estar sempre fechada num apartamento, sem apoio e calor familiar e incapaz de comunicar com os seus vizinhos. Na minha tia Sona, encontrou uma companheira com quem enfrentar estas dificuldades. Felizmente, já havia outras mulheres negras em Pineda e nas aldeias vizinhas e, ocasionalmente, juntavam-se para conviver.
Uma das suas melhores memórias desses primeiros anos foi aprender a ler e escrever, um desejo que não tinha podido realizar na sua infância. Mas, o nascimento da minha irmã, Kadijatu, em 1994, e o meu, quatro anos mais tarde, roubaram-lhe o tempo para continuar os seus estudos, o que gostaria de ter feito.
Em 2000, aos 23 anos, foi contratada como parte do pessoal de limpeza de uma discoteca. Mas era difícil para ela conciliar a sua vida profissional com as suas tarefas domésticas e cuidar das suas duas filhas. A nossa família cresceu com o nascimento dos meus irmãos Seedy, em 2001, e Osman, três anos mais tarde. Isto significou que parte das responsabilidades domésticas recaíram sobre a minha irmã mais velha, que se tornou um modelo maternal, porque os nossos pais passaram a maioria do seu tempo fora de casa. Trabalhou para diferentes empresas, sempre como empregada de limpeza, até que, finalmente, conseguiu um contrato permanente num hotel em Pineda, onde trabalha até hoje.
Desde a sua chegada há 30 anos, mais mulheres gambianas continuaram a vir e a comunidade gambiana em Pineda e na região de Maresme tem crescido enormemente. Contudo, as oportunidades continuam a ser as mesmas. Pineda continua a ser uma cidade que depende fortemente do turismo e, neste sector, sem qualquer educação, estas mulheres só podem aspirar a empregos não qualificados, tais como empregadas de limpeza, auxiliares de cozinha, máquinas de lavar a loiça… Tarefas extenuantes que têm de conciliar com a sua vida doméstica e familiar.
Este breve resumo reflete uma história de vida que pode ser extrapolada e comparada à de muitas outras mulheres gambianas, que vivem na região de Maresme. A minha mãe pôs os pés em Pineda aos dezasseis anos de idade e teve de aprender a adaptar-se à sua nova realidade, longe de tudo o que conhecia.
Quando se migra, migra-se para construir um futuro melhor, esperando regressar e desfrutar dos frutos do seu trabalho com a família. Era isso que a minha mãe gostaria de ter feito. Continuar a partilhar com a sua mãe, construir uma casa na cidade e mudar-se para lá quando ela se reformasse. Mas esse sonho já não será possível. A avó deixou-nos há dois meses, uma perda muito dolorosa para ela, um daqueles momentos em que se volta a repensar o porquê de estarmos aqui. Para muitas destas mulheres, migrantes e operárias, a vida passa com o contínuo anseio velado de poder regressar a casa um dia; e de esperar que não seja demasiado tarde para se reunirem aos seus entes queridos, como foi para a minha mãe.
Rahmata Dem Nije é jornalista e colaboradora da Revista Radio Africa desde 2020. Amante da literatura e da música. Entre os seus interesses estão as questões socioculturais e a comunicação digital, assim como o continente africano pela sua grande riqueza cultural e porque é onde estão as suas raízes.