No dia 30 de novembro, falava com um grupo de estudantes do curso de Curadoria da Gulbenkian, tendo o trabalho da Afrolis como base. Quis saber qual a sua visão de curadoria. As definições passavam por olhar para a curadoria como um processo de “negociação”, um esforço por olhar o outro e criar ferramentas de modo a estabelecer uma relação com o outro, observância pela identificação com os valores do projeto, a exposição de forma original e sustentável de obras.
É uma essencial refletirmos sobre o que nos leva a fazer escolhas em processos de curadoria, seja de exposições, da nossa vida profissional, académica ou até mesmo pessoal. Neste momento em que a Afrolis faz o balanço de um ano do projeto Afrolis.pt, a vertente da área do jornalismo, do trabalho da Afrolis – Associação Cultural, viabilizado pelo financiamento do programa Google News Initiative Europe 2023, interessa partilhar o que nos levou a fazer escolhas para o trabalho realizado. Mas partilho, em primeiro lugar, a definição de curadoria a partir da qual falo:
“A curadoria é uma prática que envolve seleção, organização e apresentação de conteúdos, obras de arte, produtos ou informações de forma estratégica e cuidadosa, visando proporcionar uma experiência enriquecedora para o público-alvo. O ‘significado de curadoria’ pode variar de acordo com o contexto e a área de atuação, mas sempre envolve o cuidado, zelo e tratamento dos elementos selecionados. É uma prática presente em diversos campos, como arte, cultura, espiritualidade e saúde.” (Instituto Brasileiro de Terapias Holísticas)
Tendo esta definição em mente, relembro o meu primeiro editorial intitulado “A Angela tem razão!”, em que apresentei a intenção do projeto, e os valores que o regem da seguinte forma: “Este é um projeto de resgate das nossas histórias, mas também de ocupação do nosso lugar na sociedade. Trata-se de um processo em que vamos trabalhar de forma intencional para que a norma que somos se manifeste. Esse é um trabalho nosso, das mulheres negras e racializadas em qualquer parte do mundo. Mas estamos longe de conseguir resultados se a cooperação, a partilha de conhecimento e a compaixão pelas nossas hesitações não for uma constante. A transformação vem a um custo e neste caso é a incerteza. No entanto, foi na incerteza que eu sempre encontrei o caminho e é nela que me reinvento. Agora reinvento o projeto Afrolis, acompanhada por uma equipa de profissionais com a mesma visão.”
O balanço desta fase do projeto Afrolis, enquanto, meio de comunicação é mais um impulso para a aventura da reinvenção que se anuncia na (in)certeza do desejo de continuar a contribuir para a transformação social. O site Afrolis assumirá um outro formato, mas a sua essência será a mesma.
Deixo aqui o agradecimento por todos os que nos acompanharam na criação de conteúdos, seja como entrevistadas ou como colaboradoras e colaboradores, todo o tipo de apoios e parcerias. E um agradecimento a toda a equipa nuclear da Afrolis que tornou o projeto possível.
Os artigos publicados e escritos por mulheres negras e racializadas foram essenciais para alargar a nossa visão sobre o que é ser mulher negra em Portugal e no mundo.
A parceria com a Rádio África, em Espanha, liderada por Tânia Adam, moçambicana radicada em Barcelona há várias décadas, ofereceu-nos a estabilidade de conteúdos vindos do país vizinho, em que a expressão da população negra é também ocultada, mas onde os esforços para que deixe de ser se manifestam em projetos como este, que nos acompanhou ao longo de vários meses.
O acolhimento por parte do Hangar – Centro de Investigação Artística, desde o primeiro momento da nossa equipa nas suas instalações onde tivemos acesso ao estúdio para as gravações do podcast, conduzido por Júlia M. Tavares e videocast, apresentado por mim, ofereceu-nos o privilégio de trabalhar no centro de Lisboa cruzando-nos com artistas de todo o mundo.
Lembro também o apoio do TBA, que recebeu as sessões públicas do “Ritual de Escuta”, projeto apoiado pela DGArtes, que espelha a experiência de mulheres negras através de audiodramas, com direção artística de Carla Costa Gomes, em que envolvemos argumentistas e atrizes negras essencialmente, mas não exclusivamente.
A disponibilidade de reunir mulheres jornalistas dos PALOP, foi possível através da parceria com o Consórcio Media, Inovação da Comunicação Social (CMICS), da Guiné-Bissau, que se traduziu na realização do painel alusivo ao Dia Internacional Mulher Africana, moderado por Vanilza Agostinho da Silva em representação do CMICS.
E, claro, o apoio de todas as pessoas que nos acompanharam e contribuíram com apoio de várias maneiras, inclusive financeiro através da nossa primeira campanha de crowdfunding “Afrolis: Listening To Black and Racialized Women”.
Todas as iniciativas da Afrolis pautam-se pela visão de que as nossas narrativas importam, como tentei expressar através dos editorias publicados até ao dia de hoje e pelos contributos que abraçámos e considerámos refletir o nosso propósito.
No dia 3 de dezembro, juntamo-nos na Casa Mocambo, espaço que acolhe atividades da Afrolis, desde o início dos nossos trabalhos, e onde nos sentimos em casa, para fazer o balanço deste ano de trabalho. Fica aqui também o convite para que nos acompanhem.
Se curadoria é o termo que vem do latim “curare”, que significa cuidar, zelar, tratar, esse propósito dificilmente se esgotará relativamente a esta comunidade que se tem vindo a formar há quase uma década. O projeto jornalístico da Afrolis.pt deixa aqui o seu “até já”, certo de que será seguido de uma nova curadoria.