Elci Pereira Dias, nova diretora do Nô Pintcha: “A responsabilidade é grande, mas a vontade de servir é ainda maior”

No âmbito da comemoração do dia 24 de Setembro, data dos 50 anos da Independência da Guiné-Bissau, a Afrolis em parceria com o Consórcio Media, Inovação da Comunicação Social de Guiné-Bissau (CMICS) conversaram com Elci Pereira Dias, a nova directora do jornal Nô Pintcha

Elci Pereira Dias é formada em Comunicação Organizacional e Jornalismo pela Universidade Lusófona da Guiné-Bissau, exerceu a profissão de jornalista no jornal Nô Pintcha desde 2001, ocupando a posição de chefe de redação desde 2020. Além disso, desempenha papéis ativos em várias associações profissionais, incluindo a função de vice-presidente da REMSECAO-GB, a Rede para a Paz e Segurança para as Mulheres no Espaço da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), e também assume a responsabilidade de comunicação na Rede de Mulheres Mediadoras.

Vanilza Agostinho da Silva: Qual era a impressão que teve quando soube da sua nomeação como nova diretora do Nô Pintcha?

Elci Pereira Dias: Bom dia e obrigada pela oportunidade. Para responder a sua questão, digo que a impressão que fiquei quando fui nomeada como directora do jornal Nô Pintcha, foi de muita responsabilidade. É de peso, grande peso sobre os meus ombros. Digo isso porquê? Porque, como disse, é a primeira mulher a dirigir o jornal Nô Pintcha numa cúpula de homens. Como sabe, no meu país é tabu ainda uma mulher ser líder. A responsabilidade é grande, mas a vontade de servir é ainda maior. Com essa impressão que estou é que vou dirigir o jornal com zelo e dedicação, apostando na qualidade assim como os anteriores diretores tinham apostado. Eu vou apostar na qualidade e eu vou apostar na competência, mas também vou ser muito rigorosa para o cumprimento dos objetivos para que foi nomeada.

VAS: Qual é o diagnóstico que se faz da nova dinâmica do Nô Pintcha?

EPD:  O diagnóstico que faço da nova dinâmica do jornal Nô Pintcha é que no jornal não falta qualidade. Não falta qualidade porque há muitos jornalistas seniores. Estão muitos bons jornalistas. Mas o que falta é um bocadinho de empurrão, um bocadinho de rigor para que tudo saia como planejado. No jornal há jornalistas que trabalham, mas no meu entender, como técnico da casa, como pessoa conhecedora do jornal Nô Pintcha. Vai mesmo ser um empurrãozinho, um impulso para mudar a dinâmica trazendo coisas novas. Imprimir nova dinâmica no jornal para que ele possa mudar, para que o jornal possa ter outra cara com relação aos outros jornais mundiais. Digo na minha entrevista, quando eu fui empossada, eu disse que o jornal não pode estar com o jornal de Portugal e outros e outros países, porque Portugal é outra parte. Portugal e outro país tem a sua realidade e nós temos a nossa realidade, mas também tentar levar o jornal Nô Pintcha para a classe dos órgãos de comunicação social escrita. Tendo em conta que falta muita coisa. Mudar a cara, mudar as rubricas e fazer coisas diferentes, tendo em conta que o quadro e a qualidade dos jornalistas não faltam.

VAS: O que você recomendaria à nova equipa que vai ser liderada por si nos próximos anos, enquanto pessoal sénior da casa?

EPD:  Bom, eu recomendaria aos quadros da casa, a mudança de mentalidade e a responsabilidade. Aceitar a diferença, a acompanhar a evolução mundial, porque hoje em dia estamos num mundo de género. Estamos num mundo de género onde um homem, assim como uma mulher, pode estar à frente de uma instituição, dirigindo com zelo e dedicação. Que aceitem a diferença porque é normal. Não é nada de novo. Porque no meu entender, isso caiu como se fosse uma bomba. Uma mulher a dirigir o jornal Nô Pintcha e depois dos 48 anos de existência jornal. Mas no sentido positivo, não devem perceber que isso é uma novidade. Eu sou quadro de casa e estou no jornal Nô Pintcha há 22 anos. Primeiramente entrei como estagiária e depois passei a coordenar a sessão social. Mais tarde, fui presidente do sindicato de base do jornal Nô Pintcha. Só depois é que fui para o Ministério da Educação e para a assessoria de imprensa por duas vezes. Votei e assumi a direção de redação, sendo chefe de redação. Dois anos depois fui nomeada como directora. Eu fiz toda a carreira do jornal Nô Pintcha, eu sou quadro sénior como disseste e eu sou quadro superior da comunicação social. Que aceitem a diferença porque já estamos num outro mundo. Eu sou muito competente e com capacidade de dirigir aquela classe. Sou mesmo responsável por fazer com que o Nô Pintcha se erga no meio da comunicação social. Esta é a minha aposta e  vou encarar o mesmo com dedicação e com muito zelo.

VAS: Qual será o próximo desafio, sabendo que é a primeira mulher a assumir este cargo desde a independência do país?

EPD:  O novo desafio é tentar mudar a cara do jornal trazendo novidades, mudando rubricas, assinaturas. Porque isso tem que mudar. O jornal, não digo que está nos piores, mas falta muita coisa. Por exemplo, eu estive a falar com o pessoal do Conselho Directivo e disse-lhes que aposto e pretendo mudar a cara do Nô Pintcha. Por que não trazer uma página da cidadania? Trazendo todas as preocupações dos cidadãos, das instituições das empresas sobre a mudança de mentalidade. Um assunto que eu acho que falta e muito na Guiné-Bissau. Por que não trazer grandes reportagens a nível do país? Porque a Guiné-Bissau não é só Bissau. Por que não trazer uma página sobre os assuntos internacionais para que o povo acompanhe também o que passa no mundo? Porque não são todas as pessoas que têm a possibilidade de ouvir rádios de ter TV. Há pessoas que têm possibilidade de acesso aos jornais. Por que não assinar um acordo com a TV e as rádios para que o jornal passe a ser apresentado nas rádios, nas revistas dos jornais assim como na TV? São dinâmicas que eu pretendo implementar no jornal Nô Pintcha para trazer coisas novas num mundo onde a comunicação tem grande importância.

VAS: Considerações finais sobre a comemoração do dia 24 de  setembro 50 anos da independência da Guiné-Bissau?

EPD:  As considerações finais sobre o 24 de Setembro, dos 50 anos da Independência da Guiné-Bissau, é de lamentar porque o país está como está. É de conhecimento de todos que a Guiné-Bissau está ainda em más condições, com necessidades primárias. Sem educação de qualidade, sem saúde de qualidade. Sem instituições a funcionarem devidamente. Sem estradas. São muitas coisas. Os desafios são enormes. Na Guiné-Bissau, nestes 50 anos de Independência, tudo é prioridade e não pode ser. Isso deveria ser encarado pelos políticos como um grande desafio porque eles é que governam o país. Nós somos cidadãos, acompanhamos o desenvolvimento do país, acompanhamos a governação, mas claro que não temos voz e não temos poder de contribuir. Nós contribuímos cada qual contribui na sua medida, mas a responsabilidade cabe aos políticos. Que esses 50 anos sejam de muita reflexão. Estou aqui neste momento em Senegal, numa formação e eu cheguei no aeroporto fiquei entusiasmada com um país vizinho, que também lutou para estar onde está. Que a Guiné-Bissau mude o rumo. Que os políticos e governantes mudem de comportamento. Para não servirem às suas famílias, aos seus amigos, para passarem a servir a nação. Que a nação passe a ser a prioridade dos governantes. 50 anos não são 50 dias. 50 anos. Um país desenvolvido. Um país com 50 anos de existência na medida da Guiné-Bissau, é vergonhoso. É muito vergonhoso. Um país com 50 anos e a igualdade de género não está sendo cumprida. Em 2018 foi aprovado na Assembleia Nacional Popular a lei de paridade, mas está em segundo plano. Por exemplo, o último governo e as suas nomeações caíram como se fosse uma bomba porque nas nomeações que fazem, as Mulheres foram relegadas para o último plano. Tendo em conta que uma mulher é responsável, consegue mudar a mentalidade de um homem, consegue fazer o que um homem não consegue fazer. Uma mulher pensa o que com um homem não consegue pensar. Porque todos somos humanos e temos direitos de caminhar juntos para podermos desenvolver a Guiné-Bissau. Também devem pensar nessa parte porque as nomeações  ainda não acabaram. Faltam as outras partes e que pensam nisso porque nós somos parte. Somos capazes de ajudar a desenvolver o país. Somos o símbolo da paz, somos apaziguadoras, por isso temos que fazer parte. É importante que os políticos pensem nisso, que é uma forma também de ajudar a desenvolver a Guiné-Bissau.

 

 

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