Bom dia, boa tarde ou boa noite jovem leitor (a).
Cá nos encontramos mais uma vez. Possivelmente muitxs de vós estarão quase a entrar para o ensino secundário, ou já estarão a frequentar o ensino secundário ou cursos profissionalizantes ou CET (Cursos de Especialização Tecnológica) ou já estarão a frequentar a universidade. Talvez muitxs tenham tido que parar de estudar para trabalhar ou enfrentar outras situações adversas. Mas, todxs devem se lembrar das pessoas que foram as suas primeiras educadoras e professoras, nas creches, nos jardins-de-infâncias e escolas que frequentaram. Pois bem, se recordam de quantas pessoas negras, mulheres e homens, trabalharam nestas instituições? Quais eram as suas profissões? E, no momento atual, têm aulas lecionadas por pessoas negras?
Ao tentar compreender quantas mulheres negras trabalham atualmente na academia portuguesa, no contexto geográfico da área Metropolitana de Lisboa, enquanto professoras e/ou investigadoras, me dei conta de que apenas surgiram três nomes sonantes: Inocência Mata (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), Cristina Roldão (Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal) e Iolanda Évora (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa). A falta de representatividade negra na academia, inevitavelmente contribui para que modos não-eurocêntricos de pensar o mundo continuem a ser anulados. Nos últimos anos, temos tido acesso a denúncias públicas através dos meios de comunicação, sobre práticas de maus-tratos, racismo, xenofobia, assédio sexual, que têm sido passíveis de ocorrerem em diferentes ambientes educacionais. Do meu ponto de vista, estas problemáticas são consequências inequívocas da falta de diversidade étnico-racial nas instituições educacionais.
Tratando de mulheres negras, que são a base da pirâmide social, algo que é secular, além de enfrentar diferentes tipos de violências como a falta de oportunidades educacionais e as suas manutenções, os baixos salários, os trabalhos sem contratos, entre outras mazelas, quando conseguem adentrar na academia, enfrentam a prática do racismo científico: onde muitxs acreditam que as mulheres negras não são capazes de se desenvolver intelectualmente, de modo que lhes negam continuamente as suas existências enquanto pessoas humanas. Muitxs pessoas privilegiadas, nem sequer compreendem que, para pessoas negras e outras pessoas racializadas que enfrentam problemas financeiros, são muitas vezes prejudicadas, pois não têm como se dedicar somente aos estudos.
Como não dispomos do conhecimento estatístico sobre as origens étnico-raciais das pessoas, não conseguimos compreender qual o percentual de pessoas afrodescendentes portuguesas a acessar o ensino superior, qual o seu género, quais as principais áreas que foram escolhidas no âmbito da licenciatura, quais foram as suas classificações de entrada para o ensino superior.
Contrariamente a esta prática nociva à democracia – racismo científico – temos mulheres negras notáveis na sociedade portuguesa, pessoas em quem nos devemos inspirar através das suas obras, como Joacine Katar Moreira (Historiadora, Política, Ativista), Grada Kilomba (Escritora, Artista interdisciplinar, Psicóloga), Carla Fernandes (Escritora e diretora da Afrolis), Luzia Moniz (Jornalista, Escritora, Socióloga), Raquel Lima (Poeta, Performer, Arte-Educadora, Investigadora), Gisela Casimiro (Poeta, Escritora, Ativista), entre poucas. No país onde a presença africana é a presença mais importante que temos historicamente, nem na Assembleia da República vemos representatividade negra. Será uma utopia a igualdade étnico-racial? E entre os géneros? Pode existir equidade social sem que haja representatividade da diversidade cultural existente num país em todos os setores da sociedade?
Resido em Portugal há quase vinte e três anos, estive na faculdade em três momentos diferentes, entre 2005 e 2018, nos âmbitos das artes e das ciências sociais e humanas. Em nenhum destes momentos, recebi aulas de professores universitários negras e negros. Tive colegas a frequentar licenciaturas e mestrados e maioritariamente eram homens negros não nascidos e crescidos em Portugal. Pude observar que havia pouquíssimos colegas negras e negros a frequentar programas doutorais. Muito do que vivi e pude observar me fez compreender que as igualdades de oportunidades não eram e que continuam a não ser para todxs que cá nascem e vivem, e muito menos para as mulheres negras nascidas cá ou não. Por resiliência e vontade de aprofundar conhecimento, retornei à faculdade no âmbito de um doutoramento e na minha turma inicial só há duas pessoas negras, eu e um colega que não vive em Portugal. Só tive acesso a auscultar três professores negros: Professora Inocência Mata (Portugal), Professor Joseph Tonda (Congo) e Professora Rosa Melo (Angola), em uma conferência. Sobre as agruras para a minha manutenção na faculdade, brevemente estarão a ser escritas.
Segundo os dados da DGES (Direção Geral do Ensino Superior), que foram publicados pelo MCTES (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), 50.315 estudantes ingressaram no ensino superior público, no ano letivo de 2022/2023, através do concurso nacional de acesso. Como não dispomos do conhecimento estatístico sobre as origens étnico-raciais das pessoas, não conseguimos compreender qual o percentual de pessoas afrodescendentes portuguesas a acessar o ensino superior, qual o seu género, quais as principais áreas que foram escolhidas no âmbito da licenciatura, quais foram as suas classificações de entrada para o ensino superior. Neste sentido, dificilmente haverá políticas públicas que tratem do combate e erradicação das desigualdades étnico-raciais e de género, no setor da educação académica.
De modo que, jovem leitor (a), desde muito cedo, necessitamos de nos consciencializar de que não, não somos todxs iguais perante a lei. Há práticas sociais que nos impossibilitam de viver dignamente em igualdade de oportunidades e contra estas práticas devemos lutar. Jamais desista dos teus sonhos, eles são preciosos. São os sonhos que transformam o mundo em que vivemos. Jamais permita ser maltratadx, assediadx, humilhadx. Temos de ter o direito e o dever de viver plenamente, com alegria e paz e de nos cuidar com afeto.
*A colunista utiliza linguagem inclusiva.