Financiamento: um desafio para o empreendedorismo negro

A justiça racial também se mede pela igualdade de oportunidades no setor económico, o  que está longe de se verificar em diversas áreas e o empreendedorismo é uma delas. Em julho de 2022, a Djassi Africa, consultora baseada em Londres que procura capacitar empreendedores da diáspora africana, lançou um questionário com o objetivo de fazer um retrato da situação de afro-empreendedores no ecossistema da inovação, mapeando start-ups e negócios digitais, em Portugal. O documento chamou-me a atenção num momento em que a Afrolis – Associação Cultural realiza uma campanha de crowdfunding para angariação de fundos para a realização de conteúdos para este site em que se encontra a ler neste momento, mas também por ser uma realidade comum no seio de comunidades negras. São gerações e gerações de empreendedores que veem créditos a serem negados, a não terem capacidade para manter negócios por terem tentado ajudar os negócios de outros familiares ou amigos ou simplesmente por não conhecerem formas de navegar o mundo dos financiamentos tradicionais.

O relatório Afropreneurs Report 2022 – State of Black Founders & Ventures in Portugal (Situação dos fundadores e de empresas de pessoas negras em Portugal), cobre várias temáticas, mas vamos centrar-nos no

“contexto de investimento e angariação de fundos para os negócios de afro-empreendedores em Portugal”.

Sobre esta temática o relatório revela que a maior parte dos empreendedores negros recorre a fontes informais para iniciar e sustentar as suas empresas. Começam muitas vezes os seus negócios sem apoio de fundos de investimento, com recursos limitados e acabam por depender dos meios de amigos e de familiares para dar vida às suas aspirações de vingar no mundo do empreendedorismo.  Este trajeto pode ser lido como revelador da resiliência das comunidades negras perante adversidades, mas, por outro lado, essas adversidades não deveriam persistir ao longo de gerações. A falta de acesso a circuitos de financiamentos gera continuidades de desinformação financeira e resultam na perpetuação de desigualdades. 

Os números recolhidos pela Djassi Africa, indicam que em 30% das empresas fundadas por pessoas negras, em Portugal, apenas 9% teve acesso a formas de financiamento tradicionais para ecossistemas de startups. Cerca de 13% das empresas receberam subsídios, 8% foram contempladas com investimento-anjo e a mesma percentagem (8%) reflete o financiamento de Capital de Risco. 

A falta de literacia na área de investimentos e a falta de facilitadores que possam fazer a ponte entre empreendedores (procura) e investidores (oferta) são as principais causas do acesso limitado a redes de investidores relevantes por parte dos empreendedores negros. E as questões que se colocam no seio de incontáveis incertezas são: como encontrar investidores e opções de investimento compatíveis?; como chegar a redes de investimento relevantes?

De acordo com o relatório da consultora Djassi Africa, fundada pelos irmãos Fernando e Rudolphe Cabral, os investidores portugueses e internacionais lançam olhares diferentes sobre esta problemática. Os portugueses colocam a tónica do problema na dificuldade de encontrar vias para fazer com que os fundos cheguem aos empreendedores negros, uma vez que estão disponíveis, mas não são suficientemente procurados por eles. Por outro lado, os investidores internacionais, sublinham que os grupos de investidores devem ter uma atitude mais proativa, no sentido de investir na assinatura de protocolos de diversidade e expandir o alcance das formas de distribuição de fundos para irem de encontro a estes grupos de empreendedores sub-representados. O resultado desejado seria quebrar com as práticas que perpetuam uma abordagem enviesada no que diz respeito à distribuição de financiamentos.

Uma das conclusões do relatório Afropreneurs Report 2022 é que a preparação para o investimento de empreendedores negros, em Portugal, tem de ser abordada urgentemente, uma vez que está a limitar as suas possibilidades de investir, tornando mais difícil a angariação de fundos.

Esta recolha de dados também revela uma tendência para o desânimo relativamente às suas possibilidades de serem bem-sucedidos quando se trata da captação de investimentos por parte dos empreendedores em análise. Em 70% que planeiam angariar fundos, em 2023, 54% acredita que ser financiado nos próximos 9 a 12 meses será um empreendimento difícil.

O relatório Afropreneurs Report 2022 foi feito em parceria com o ISCTE e retratou várias outras áreas como o perfil demográfico dos afro-empreendedores em Portugal; caracterização das startups e negócios digitais, a incluindo composição e diversidade das equipas, áreas de atividade, modelos de negócio, fases de desenvolvimento; e nível de apoio recebido e principais áreas de desenvolvimento para o futuro. É um estudo que por não haver dados relativamente à população branca não permite fazer comparações, mas que nos informa bastante sobre a situação dos fundadores e de empresas de pessoas negras em Portugal. Mas a estrada para mitigar as desigualdades económicas ainda está em construção.

 

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